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quarta-feira, 29 de julho de 2015

MULHER

                Textos e Pretextos


MULHER




No cofre que a Mulher é

Que a Mulher tem

O Pai pé ante pé

Com o “tubo de ensaio”

De soslaio ou de mansinho

Vai devagarinho

…Deixa a semente…

Faz da Mulher Mãe!

Estremecida

Guarda no seio a vida

Promessa e dor

Fruto e flor

…Renascida!

29.7.15….Lucinda Ferreira


terça-feira, 28 de julho de 2015

Tese de doutoramento analisou crimes violentos

Tese de doutoramento analisou crimes violentos



Maria João Ferreira Guia distinguida com louvor pela Universidade de Coimbra

Z. M. 
 
Meus Filhos e eu, Lucinda .


Maria João Guia defendeu, na semana passada, a tese de doutoramento na Universidade de Coimbra (UC) em Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI, tendo sido aprovada, por unanimidade, com distinção e louvor.

A nova doutora da UC apresentou a tese “Imigração, ‘Crimigração’ e Crime Violento – Os Reclusos Condenados e as Representações sobre Imigração e Crime”, que resultou de um estudo extenso sobre reclusos portugueses e não nacionais (por grupos de migrantes) condenados por quatro crimes que considerou violentos – homicídio, roubo, violação e ofensa à integridade física.

“Este estudo foi feito a partir da leitura de 116 sentenças de reclusos não nacionais e nacionais e da análise estatística de 8436 entradas de reclusos não nacionais de 2002, 2005, 2008 e 2011”, explica a autora, dando conta de que “o mesmo número de sentenças foi analisado para os portugueses e para cidadãos não nacionais”, para comparativamente procurar encontrar, por um lado, “fundamento em algumas percepções que passam na sociedade portuguesa sobre o facto de os imigrantes terem responsabilidade no suposto aumento do crime violento” e, por outro, “verificar se existiriam discrepâncias na análise dos factos que se traduzissem numa maior condenação de estrangeiros em Portugal”.

Depois deste importante passo, a nível pessoal e académico, Maria João Guia prepara-se agora para se dedicar a novos projectos.

 “Normalmente quando chegamos ao fim da tese de doutoramento é que sentimos que é tempo de começar. Acho que isso acontece com toda a gente. Para mim foi uma angústia encarar isto mas, ao mesmo tempo, é um estímulo para continuar”, sublinha.

E as conclusões que retirou da tese, nomeadamente a questão do impacto dos roubos e a forma como esta questão está – ou não – a ser estudada, deverá ser uma das próximas áreas a abordar.

“Essa é, sem dúvida, uma das áreas que me interessa e possivelmente poderá vir a ser essa que eu vou desenhar para um projecto futuro. Obviamente vou continuar o meu esforço pessoal e académico e vou fazer o melhor possível em prol do conhecimento”, realça.

Filha de Lucinda Ferreira (colaboradora d' O Despertar há vários anos), Maria João Guia tem 43 anos e conta com um vasto currículo.

Com vários livros publicados, é inspectora adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), investigadora associada do Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da UC e professora convidada do Mestrado em Criminologia e da Licenciatura em Direito do ISBB em Coimbra.

 Tem orientando e co-orientando teses de mestrado, doutorandos e pós-doutorandos nas linhas temáticas em que trabalha; dinamiza a rede internacional CINETS – Crimmigration Control International Net of Studies; 

Foi perita externa independente da Comissão Europeia no campo da Segurança, Liberdade e Justiça e membro do grupo de Peritos em Tráfico de Pessoas; e é membro de várias sociedades e projectos de investigação nacionais e internacionais.

Legenda:
Maria João Guia foi aprovada, por unanimidade, com distinção e louvor
 Z.M.
Entrada da Sala dos Capelos

 
M Joao em traje académico de prestaçao de provas

sábado, 25 de julho de 2015

Viagem por dentro do tempo e do espaço. (Apontamento II)

Textos e pretextos


Viagem por dentro do tempo e do espaço. (Apontamento II)



A recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre.





Enquanto fui criança e até ir para o Colégio, vivi com meus Pais, numa casa coberta de flores à beira da estrada “nova”, com se dizia na altura.

Tudo o que havia eram carreiros. Estradinhas térreas muito apertadas. Esburacadas, onde as carroças e os carros de bois se alagavam na lama.

Alguns desconhecidos paravam para fotografar a nossa casa, pela sua beleza e simplicidade.
Ainda conserva o registo número um, na conservatória!

Transformei-a um pouco, mas as flores ainda por lá andam, como não poderia deixar de ser.

O Pátio coberto de glícinias anunciava a Páscoa, altura de estrear uma roupa nova, como era hábito no lugar.
A sebe protectora da casa com um pequeno quintal era protegida por roseiras “picantes”, de um colorido variado e diferentes odores que se misturavam no ar.

Havia uma rolinha que cantava sem parar. Também tivemos uma Pega negra. Inteligente. Desconcertante que andava à solta e que roubava objectos à Mãe.
Tínhamos sempre um lindo gato. Quando estava velhinho ia para longe. Nunca mais voltava. Dizia-se que o gato quando estava velho desaparecia para longe para entregar a vida à terra. Longe da sua casa.

Num lugar sem qualquer distracção que não fosse o trabalho, viver à beira da estrada nova era desejável. Apetecível.

Impressionava toda a gente, a passagem rara de um carro. As pessoas vinham à porta para ver passar a máquina andante.
 A estrada era poeirenta.Tinha muitas covas e no Inverno o chão cheio de água, espirrava quem quer que fosse a passar, à beira da estrada. Não havia passeios, naturalmente. No Verão, o automóvel deixava um rasto de pó. Uma nuvem que se metia nos olhos. Nos pulmões… Sujava as casas da vizinhança. Era uma névoa cerrada durante algum tempo, pairando sobre os caminhos.

Havia uma ladeira à nossa porta. De quando em vez, o carro enguiçava. Paravam e davam a uma manivela para ele pegar e seguir viagem.

O carro azul-escuro, muito alto e com um tejadilho, do Senhor a Artur taxista, um senhor que viera de África, era o que passava mais vezes. O senhor Artur tinha uma grande cicatriz na cara. Participava nos grandes acontecimentos do povo. Era chamado para as  ocasiões especiais. Nos casamentos e baptizados vinha um só carro de aluguer, o único, o do Sr Artur que tinha um estatuto respeitável. Era ele que recebia o dinheirito amealhado com muito suor pelo pessoal do lugar.

De resto, a maioria das pessoas andava de bicicleta. A pé. Muitos tinham os pés cheios de côdeas por andarem sempre descalços.

Mais tarde vieram os ciclomotores. Era um luxo. Só o viveirista tinha uma bicicleta a motor. Fazia muito barulho. Na sua  passagem,deixava um mau cheiro, desagradável que ainda recordo. Era uma vaidade por “épater le bourgeois”,ter aquela bicicleta a motor. Enfim, dar assim nas vistas. O rasto ao passar  era uma fumaraça durante muito tempo.
Vias estreitas. Ladeadas de silvas. Cheias de buracos eram, na maioria, as estradas ao tempo.

Existiam para as cuidar, os cantoneiros, funcionários que vigiavam o arranjo possível das mesmas. Tapavam buracos e roçavam as silvas que cresciam nas margens.

Havia uma vigilância dura. Apertada sobre eles. O chefe dos cantoneiros, ainda com laivos de nobre e que por isso, só podia ser chefe (…), castigava-os severamente. Era muito temido. Respeitado. Passava muito direito.Não “dizia adeus” a ninguém. Sim, porque era hábito, todas as pessoas se saudarem ao passar umas pelas outras, quer fossem conhecidas ou desconhecidas. O chefe só  notava as coisas negativas. A admiração e o elogio pelo bom desempenho não existiam. O severo senhor empertigado poderia dar castigos e até despedir aquelas  pobres gentes. Humildes sem qualquer voz em defesa própria. 

Era criança, mas apercebia-me já destas  atitudes que amedrontavam tudo e todos.

Ser cantoneiro era prestigiante.
Uma honra a que muitos ou quase todos aspiravam. Eram uns senhores, apesar da dureza da vida. Quando iam aos bailes, as raparigas disputavam esses homens, que as poderiam poupar mais tarde, de andar ao sol nas duras faina agrícola.

Tinham um ordenado fixo. Eram funcionários do Estado. Um grande privilégio perante a escassez de recursos num meio pobre.
Usavam uma farda cinzenta semelhante à dos militares. Traziam um grande chapéu de abas largas também cinzento, com as armas do Estado na frente do chapéu.
Eram mesmo uma autoridade que podia “autoar” quem transgredisse no trânsito (…).

Eram menos agressivos. Temíveis. Mais amigáveis do que a Guarda Republicana, cujos membros pareciam escolhidos a dedo, pela sua crueza e rigidez. Era assustador, a Guarda Republicana sempre de espingarda ao ombro, ao passar um de cada lado, à beira da estrada, quando menos se esperava.
Multavam por tudo e por nada .Intervinham em tudo. Intimidavam tudo e todos sem apelo!
As pessoas diziam que nem a roupa queriam semelhante ao “cotim” das suas fardas cinzentas, com riscos verdes num chapéu redondo. Também lhe chamavam à socapa, “feijão-frade”.

Contavam os cantoneiros, o receio que tinham das francesas que na deserta estrada da Beira, os apanhavam para resolver os seus problemas mais urgentes (…)

Viajavam de automóvel duas francesas. Um dia na Fraga, apanharam um cantoneiro e quase o mataram…
Mataram por “amor”!
Obrigaram o cantoneiro a tomar um pó. Depois por gestos convidaram-no. Fizeram ambas sexo com ele, deixando-o derreado. Esgotado. “Quase deram cabo dele”, como usavam dizer por lá.

Daí que os cantoneiros espreitando se o chefe por lá vinha, quando se juntavam, pensando que as crianças nada percebiam, contavam com “respeito”, fazendo-se fortes, os perigos que corriam na mão dessas mulheres.
Na galhofa, mas cheios de medo pelos riscos que correriam, alguns comentavam os efeitos afrodisíacos do pó da cantárida, (talvez o antecedente do Viagra)… e que levou à condenação por assassínio, o Marquês de Sade ao utilizá-lo nas “suas” meninas.

Falavam também do cheiro da cânfora com efeitos contrários à virilidade do homem. Nós, os miúdos, registávamos tudo enquanto eles diziam: ” são miúdos. Não percebem nada do que estamos a dizer”…

Enfim, hoje no emaranhado das nossas muitas autoestradas, não há cantoneiros…

Há assaltantes que atravessam os carros, para matar e roubar. Se fingem mortos pedindo ajuda, para depois realizarem seus intentos.

Sexo? Não necessitam, pois ele abunda aos pontapés…Gratuitamente.

Assim vai a vida…E as  recordações que nunca se apagam…

Vou, mas fico espalhada no vento. Boas Memórias contam mais que presenças. Eu habito no amor de cada um e na espera pelo meu melhor.
  Lucinda Ferreira /25 Julho 2015 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

João, o bem amado!

 Textos e pretextos

João, o bem amado!




A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota. Jean-Paul Sartre




Começou a existir num dia especial. Num dia em que a espiritualidade está viva em muitos corações com preces dirigidas ao Céu .

 A hora também foi importante.Três horas!
 O três tem muito que se lhe diga. Quem percebe do que falo  entende o que quero dizer.

Como nada acontece por acaso, há que estar atento e ler os sinais.

Quase esteve fadado a ir pelo cano de esgoto…

Mesmo como  embrião apercebe-se de tudo que se passa consigo, no ventre materno.
 Não foi fácil a luta pela vida, embora muito pouco pudesse fazer… 
Alguém do Alto quis que vivesse.

Além desta peripécia macabra.Decisiva e arriscada, o perigo continuou.
Nasceu quase morto. Um parto de risco, de uma mãe com bastante idade.
 Sem qualquer tipo de assistência que acabou por ficar paralisada durante três meses.

 Não havia greves. Nem ninguém abria a boca a queixar-se do que quer que fosse ou de quem quer que fosse.Tudo se engolia em silêncio imagino, misturado com lágrimas. Um estoicismo inimaginável nos nossos tempos…

Ele que vê e sabe  todas as coisas e conhece o desconhecido  desde os confins do tempo, sem tempo, impossível de imaginar para os nossos  limites humanos, tinha os seus propósitos.

Aquela mulher-mãe era uma iluminada simples.
Uma criatura de fé sincera. Um ser carismático no meio da arraia-miúda.
Muitas princesas desejariam possuir a sua coragem. O fervor. A sensibilidade e a inteligência de que era detentora.

Desde o momento que percebeu que não havia mais nada a fazer para evitar aquele nascimento, investiu todo o seu melhor com todo amor que pôde para entregar o fruto do seu ventre a Deus.
Outras vezes, tivera que satisfazer contrariada, vontades opostas ao projecto do Criador…

Daí que João, ainda não tinha visto a luz do Sol, já pertencia a um plano transcendente.
Pela protecção amorosa do Universo e pela entrega daquela mulher só, em tão grande empresa, como acabou por ser ao longo do tempo de existência do João necessitado de cuidados e ajuda, como qualquer outro ser humano.

Aberto o caminho, a mãe iniciara-o no diálogo com Ele!

Não ficou por aí.Pequenito ainda, fora levado para a catequese.
João lembra-se de um Senhor muito alegre. Alto.De grandes barbas e olhos muito verdes.Vestido de castanho. Tinha um carapuço que nunca lhe vira na cabeça, mas que caía pelas costas. Soube mais tarde que era franciscano.
Só sabia que esse homem era um amigo carinhoso. Empenhado no que fazia. Tratava cada criança com um esmero difícil de igualar e o João era um desses meninos.Ficou marcado por aquela personalidade inesquecível na sua vida de criança.
Era muito expressivo.Dinâmico e dedicado a tudo que fazia e a todos que atendia, aquele catequista que marcou a vida de tanta gente que teve a sorte de o cruzar.

João diz-nos assim:
-Lembro-me de pensar que gostava de ser como ele. O seu exemplo era contagiante.
Enchia de entusiasmo a criançada pelo que era e pela pedagogia do amor que punha em acção. Incentivava a todos e aos que sabiam sempre as lições, compensava- os com pequenos mimos e elogios. Os que na semana seguinte repetiam a lição como fora explicada, recebiam estampas. Livros  e outras pequenas recordações para estímulo de mais e melhor.

João recorda particularmente dois pontos que o marcaram. Que o fizeram pensar até hoje. Que lhe abriram a compreensão de factos que o intrigavam em certa época da vida.

Uma das situações era o facto de se sentir atraído de um modo particular por um postal que representava a Maria, a Mãe de Jesus, com uma coroa e muitos anjinhos à sua volta.
Essa figura impressionava-o vivamente. Gostava de imaginar o Céu por causa desses anjinhos.João não percebia, como é que eles se mantinham assim sem estarem presos a nada, apenas suspensos nas nuvens fofas de algodão, onde lhe parecia que ninguém mais conseguiria.

Conta-nos que mantém ainda hoje, atracção por essa reprodução de Maria.Sempre que pode faz- se rodear por ela tão bela e importante para si.

Desde pequenito, as imagens impressionavam-no muito. Viu uma vez uma figura num livro, representando um polvo com muitos tentáculos e a imagem da morte, uma mulher feia com um foice. Tinha medo daquele livro. Sempre que lhe mexia, passava rapidamente à frente aquelas figuras que o assustavam.

(Não tinha acesso a outros livros ilustrados para crianças, como hoje abundam por todo o lado e a petizada já nem vê, seduzida por imagens  das televisões  e outros meios audiovisuais que os dispersam e não promovem a concentração.)

Para além destes factos, houve algo muito importante, que só aí pelos cinquenta anos, decifrou. Se lhe fez luz no espírito.
O Senhor alto de vestes castanhas que dava catequese dizia muitas vezes e à frente de todos os outros.

- Ó Joãozito, és formidável! Estás sempre atento. És um menino maravilhoso.Formidável, João!

João diz- nos agora:
- O Catequista não poupava os elogios que me dava.
Eu ficava muito assustado. Não queria que ele me dissesse aquelas coisas, mas não sabia porquê.Não queria mesmo que dissesse aquilo.
Durante parte da minha vida, perguntava-me: Mas por que razão ficava triste quando o grande Senhor das Barbas me elogiava?

A verdade é que mal chegávamos cá fora, vindos da catequese, os outros meninos davam-me pontapés. Atiravam-me pedras. Batiam-me. Eu não podia, nem se sabia defender-me.Tinha muito medo deles…

João diz nos ainda:
-A vida foi avançando. Sinto que Deus sempre me levou pela mão.Nos momentos mais duros, percebi que o conflito terreno é a mola para se avançar para o auto-aperfeiçoamento.
A perfeição não existe.Não pode por isso ser uma meta. A perfeição seja em que campo for, é um estado de exigência terrivelmente castrador.É stress.Angústia e depressão.Algo em que nós, os humanos, com equivoco depositamos expectativas irrealizáveis.
Os que ainda se mantém neste engano querem ser perfeitos. Julgam por isso tudo e todos, como imperfeitos, retirando-lhes todo o valor.

Hoje João percebeu que se tudo fosse perfeito, o homem não podia evoluir. Nem avançar e já que esse é o propósito da existência na Terra, ficava-se truncado.Bloqueado.
Gosto de partilhar com todos, os meus segredos.Diz...
·        Primeiro é que precisamos fazer as pazes com a nossa própria imperfeição.
·        Aceitar que nem nós nem os outros somos perfeitos. Nem temos que ser.
Mas uma coisa é certa e isto é fundamental e muito sério:
·        DEVEMOS SEMPRE FAZER O QUE QUER QUE SEJA, O MELHOR QUE SOUBERMOS:
·        DA MANEIRA MAIS RESPONSÁVEL!

Voltando atrás, João confessa que só com cinquenta anos percebeu que aqueles elogios o tornavam vulnerável à inveja dos inferiores, pois os “garotos só atiram pedras, às árvores com frutos”
Na vida infelizmente, também é assim.

João confessa que tem sido difamado. Mal compreendido. Hostilizado. Maltratado. Humilhado.
Agora, pouco importa se tudo já foi descodificado por ele…
Faz como Sebastião da Gama:
“Tens muito que fazer? Não. Tenho muito que amar!”
E o resto, palavras leva-as o vento.

E na verdade, confirmo o que nos conta João.

É como disse minha filha, Professora Doutora Maria João, num dos seus discursos de doutoramento em Direito.Justiça e Cidadania, em que foi aprovada com Distinção e Louvor por unanimidade:

”Um homem que é homem e uma mulher que é mulher, sabe o que lhe é devido por direito”!
Lucinda Ferreira 
17.7.15
Uma pintura da minha autoria

sábado, 4 de julho de 2015

Ruas de Coimbra

Ruas de Coimbra


Dormita a árvore …

No interior, a seiva da vida repousa.

Descansa na cidade…

Breve, de noiva florida

Singular beleza.

 Será Primavera.

 Tília cheirosa

 Natureza

Coimbra saudade…

O chão vestido de amarelo. Lilás.

 A desabrochar…

Em seu esplendor, o jacarandá

Exótico odor

Semeia no ar.

Alheia, a rapaziada

Sob copas coloridas

Nas ruas erra animada!

Esvoaçam leves

 Na praça

Pétalas brancas.Azuis. Rosa

Quimera. Amores. Romance…

De mansinho a brisa passa .

 Sorri o luar pleno de canções

Pedras da rua,

Choro.Fado.Riso.

Testemunho,

Mundo rendilhado de ilusões…
*****

Coimbra, 7 de Fevereiro 2014

Lucinda Ferreira

Saudades de Woodbridge,Ontário, CA

Colecção: Textos e Pretextos





Saudades de 

Woodbridge

,Ontário, CA


Aos pés da moradia, o verde era um tapete sem fim…
Carrossel de carreirinhos mexiam de cor e movimento ao longo do dia.
Veios brancos bordam o negro da terra.
Fragrância aveludada. Indiscreta explosão. É Primavera!
Densa.Rapada, a verdura perde-se na imensidão da distância.
Ribeirinho discreto canta a trova de Flora e Zéfiro…
Sangue transparente.Esconderijo seguro de sonoras ranilhas.Patas com seus filhotes. Insectos vários alheios mergulham na frescura macia da tarde quente…
 Marco. Apelo e sinal.
Solitário banco perde-se na largueza dos meus olhos verdes…
Acorda a madrugada.Aves mil chilreiam em segredo, nos cabelos da macieira.
Sedutora noiva. Aragem leve. Baloiço. Sonho de ser fruto.
Semeado de estrelas, um manto azulado cobre aquele mar verde salpicado de cor adormecida.
 Desce a noite e tudo se ilumina de fadas.Gnomos.
Enchem de canções a Terra
Inteira.
É Primavera em Woodbridge!

23.7.14…Lucinda Ferreira




quarta-feira, 1 de julho de 2015

A rapariga da vara…E o "sarrafo vermelho"

Textos e pretextos

a deusa da alegria ..img. net
  A rapariga da vara…
E o "sarrafo vermelho"





Ser austero é não saber esconder que se tem pena de não ser amado. .Fernando Pessoa



Era o tempo em que a Natureza se veste de verde.
Um verde orvalhado pelas gotas de chuva que  brilham como pérolas quando o sol desponta.
De quando em vez , uma bátega de água caía sobre os jardins agradecidos e as pessoas constrangidas.
Ou não fosse Abril de águas mil.

Ela chegou ao colégio já a classe cursava o terceiro período. Naquele tempo, após a quarta classe, havia um exame de admissão ao Liceu.

Na primeira semana Maria integrou-se facilmente. A professora logo se apercebeu das facilidades que revelava na apreensão dos conhecimentos. Tudo isto com a maior simplicidade.

Cedo começou a ajudar as colegas com mais dificuldades, a pedido da mestra. Ela até gostava . Tudo era natural. Já na sua escola, estava habituada a acabar os trabalhos antes das outras alunas e a professora pedia-lhe para dar uma mãozinha à Mécia. À Helena. À Júlia…

Nos trabalhos de casa , via as contas das que tinham menos facilidade. Em troca, as colegas davam-lhe um “Santinho” ou até fruta e outras ofertas de gratidão pelo trabalho prestado.

-Ó Maria , vês-me a minha conta de dividir que eu dou-te um Santinho?

-Ó Maria, deixas-me copiar os problemas que não fui capaz de fazer o trabalho de casa?

 A Senhora dá-me uma reguada, se me chama e não fiz isto.
O medo morava naqueles corações pequeninos e aflitos.
Maria nunca dizia que não.

Como a professora tinha as quatro classes e tinha que chegar a todos os alunos numa sala cheiinha, quando passava no quadro o enunciado da conta e se copiava para a lousa, a aluna que acabava primeiro , ia mostrar-lhe.
Por vezes quem acabava primeiro, levantava-se no lugar. Aguardava que a Senhora lá fosse para não haver confusão na sala...
A menina que primeiro resolvera o trabalho, ia depois de carteira em carteira, ver as contas das colegas.Havia alunas que nunca conseguiam acertar.

-`Coisinha, perdoa-me a conta que eu dou-te uma laranja.Um Santinho. Um postal…

Na maioria das vezes, o pedido era atendido. 
Quando o prazo expirava e se fazia a correcção no quadro, quem não apresentara a conta feita antes e certa , levava umas tantas reguadas que deixavam a mão vermelha e bem dolorida.

Algumas meninas choravam sempre. Outras levavam todos os dias, até se habituavam. Quando voltavam para o lugar, sopravam nas mãozitas vermelhas.Magoadas.

Ficavam humilhadas. Envergonhadas. Tornavam-se tímidas ou revoltadas e mázinhas, algumas delas..
O "sarrafo" vermelho era grosso!

No final, esgotado o tempo, a correcção fazia-se no quadro. Todas conferiam.Viam onde é que tinham errado, algumas.
Outras ficavam para trás.Para sempre.Chamavam-lhe com crueldade, "burra"… Havia alcunhas ainda mais cruéis, tais como “a porca suja”.
Houve um tempo que de castigo tinham que se ajoelhar sobre milho. Trazer umas orelhas de burro, no recreio.

Já havia muita inveja. Raiva. Vinganças entre as crianças…

Revelavam-se ali modelos familiares.

Desenhavam-se assimetrias sociais marcantes. 

Os que tinham dinheiro. Poder e orgulho e os mais pobres que levavam sempre pancada…A clivagem começava cedo logo na escola. 

Havia da parte de algumas meninas , normalmente filhas de comerciantes com mais posses,muita arrogância.
Sendo menos dotadas , não perdoavam o desempenho rápido e fácil das mais inteligentes. 
Nos intervalos batiam-lhes.Acusavam injustamente essas colegas à professora para apanharem com o "sarrafo "vermelho.Ficavam todas contentes.Consoladas.Eram poderosas!

Na Escola, a professora escolhia uma das mais velhas para ir para a frente da classe, ver quem estava a falar...Enquanto  ocupada,  ensinava a outra classe.Era o momento da maldade tomar forma.

-Fulana , vai ver quem está a falar.-Ordenava a professora

Então uma das mais velhas.Gorda.Antipática. Munida de uma grande vara que a mestra também usava  para dar nas orelhas e na cabeça das alunas, ficava à frente da classe. 
As mais pequeninas ficavam cheias de medo. Aí era a hora da vingança cruel .Injusta e mentirosa. A raiva  e a inveja tinham oportunidade de se  vingarem.

-Maria , vai à Senhora!

E pimba.Uma reguada com o "sarrafo" vermelho. Castigo imerecido.Cruel.A pequena assustada nem se mexia na carteira.Nunca estava a falar.Era a melhor  aluna. Esse era o seu crime. Nunca apanhou por não saber, então :”Toma”!

-Vai à Senhora, outra vez!

Não havia apelo. A professora estava  muito ocupada . Não tinha tempo  a perder.A justiça ou injustiça do castigo nunca a preocupava .Não tinha tempo para essas coisas menores (...).

E a aluna gorda de casaco castanho. Comprido.Com uma gola às pintas a imitar a pele de pantera, aproveitava.Era a hora da crueldade. Da vingança. Da inveja em acção, com todos os poderes do seu lado! A lei do mais forte era o modelo social vigente.

O Soldado da Gestapo, "polícia secreta do Estado".(1) estava ali bem representado na aparência e no comportamento daquele espantalho temido e investido de autoridade.

Apontava o nome dessas meninas no quadro. No final era o acerto de contas… Mais umas reguadas com a "sarrafo" vermelho. Grosso.Impiedoso.

No início, as classes eram separadas. As meninas ficavam todas numa sala com uma professora. 
Do outro lado do edifício, ficava a sala de aulas dos rapazes, dadas pelo Senhor professor. 
Um homem baixo.Sempre de gabardina. Chapéu preto.De voz metálica.Passava sempre com ar de poucos amigos, sem olhar para ninguém...Quando falava, o “caroço de Adão” muito saliente, quase saltava do pescoço.Todos o temiam.

Havia num alpendre entre as duas salas. Era proibido as meninas irem para o lado dos rapazes e os rapazes virem para o lado das meninas.

Mais tarde houve um desdobramento de classes. E coisa única, a classe agora era mista.

Aí havia um menino, o José António, que quando a situação apertava, fazia “xixi” nas calças com medo…

A impiedade da criançada não perdoava e ele sofria muito.Quando levava com o "sarrafo" vermelho, era uma ribeira que corria sob a carteira.Toda a gente depois cá fora, lhe chamava o “Chorincas e o Mijado”.Normalmente ele fugia.Escondia-se.

Maria lembra-se de todos os pormenores como se um filme passasse à sua frente com uma exactidão impressionante. Como se tivesse sido ontem.

Ou não fossem as leis da memória fiéis aos acontecimentos  mais recuados…

Maria seguiu o seu caminho com coragem e muito trabalho!
Compreendeu cedo que “O melhor modo de nos vingarmos é não nos assemelharmos a quem nos faz  mal”

Foi esse o caminho que escolheu, ao longo de toda a sua vida.
Ao falarmos com ela, diz se uma pessoa feliz!. 
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 Nota:“ A Gestapo nasceu em 1933 para esmagar a oposição a Adolf Hitler e logo se transformou na peça central do terror nazista. Com a ajuda de cidadãos comuns, a Gestapo vigiou, sequestrou, torturou e executou milhares de pessoas”