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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

África , meu amor...







Nunca vivi em Àfrica, no entanto sinto um grande fascínio por aquela Terra.






Estudei Literatura Africana de que muiro gostei e quando estive nas Caraíbas, pelas circunstâncias do meu trabalho ( fazia conferências num Barco Grego para Belgas e Franceses ), tive que aprofundar Etnologia.






Verifica-se então que desde o século 16 até ao século 18, 6 milhões de negros , vêm de África, vendidos muitas vezes, pelos seus irmãos de raça (...) para servirem como escravos , nas plantações de açúcar , ao serviço de europeus , nas Caraíbas.






Daí que, actualmente, o fundo da população, são pessoas de cor , já que este Povo se multiplica muito mais do que os brancos.



É verdade que eles estão ressentidos contra os brancos e...os indianos, que depois da escravatura abolida , apareceram já como atraídos e convidados pelos brancos, que lhes davam terras e outros benefícios ,que não deram aos negros, porque estes não quiseram aceitar.






Bom , mas a verdade é que adorei conviver e apreciar a generosidade de grandes famílias e o papel do matriarcado , bem vivo entre os caraíbes.



A mulher caríbe é emancipada, governa ilhas ( Ste Lucie , por exemplo ) e dá lições a muitos homens.



A música e as suas vivências artísticas, foram outra oportunidade que me deu muito prazer conhecer.






Apresentei, suponho que em 1998, na Universidade de Compostela, em Espanha, um comunicação que se intitulava, "África , um amor antigo."



Agora, há uns tempos, deu.-me vontade de escrever um conto , que lhes ofereço hoje, n0 meu blog.



Intitula-se ÁFRICA, MEU AMOR :



É o texto que se segue.



Oxalá gostem




África , meu amor!




Baixo o sol, chegámos finalmente ao cair da noite, quente e barulhenta. Logo à entrada era a sala de dança…
O hotel era imenso na massa apertada de tantos outros ali coladinhos, pendurados na montanha, tocando o céu.
A seus pés, estava o manto rendado das águas de um azul esverdeado, Mediterrâneo calmo, morno. Acolhedor. Faltava ainda e apenas, o azulão do alto mar e os golfinhos brincando, saudando-nos alegres ao passarmos. O branco das ondas sob as estrelas, tentava lavar e dissolver o escuro feio das areias, protegidas pelos cogumelos de colmo.


Diferente encanto do que estávamos habituados a ver nas nossas praias extensas e largas a perder de vista... À noite, o passeio marítimo enchia-se de falares diversos.
Durante o dia os mais velhos, vindos de longe… da terra fria e a húmida, consolavam - se com a fogueira ardente sob os pés, na praia apinhada... A noite morna trazia - lhes paz e um doce silêncio entrecortado por risadas leves, bem – dispostas, dos formigueiros humanos crescendo lentos ao longo do paredão lambido pelo mar que não parava de mexer…


Ao som da rumba e dos alegres”biguine” e “zouk”, executados por negros da Jamaica, nascido no escuro fundo dos bares apinhados
ao longo do passeio público, havia quem bailasse descontraidamente na rua. Em ambiente de festa, tudo se desprende. Todos se soltam. Até as estrelas brincam gaiatas no céu límpido, calmo, ao pressentirem a boa disposição descontraída dos turistas. ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, No Hotel, ficara a água que chorava dolente e meiga…Perdida no verde das plantas exóticas semeadas no lago artificial da entrada. Vindos de longe, cansados e cheios de malas, mirávamos-nos descuidados, mortos de cansaço, no complicado jogo de espelhos, convite ao vaguear da imaginação entre luzes e reflexos. Alguns dirigiram- se rapidamente para a piscina de águas quentes, azuis, azuis.


Outros descansaram nos quartos harmoniosos na decoração, amplos, virados para o mar. Outros correram para o telefone. Júlia, uma das nossas companheiras de viagem, elegante nos cinquenta e tantos anos, discreta, atenta, parecia que estava fora da realidade… Por mais que recordasse Leonardo Da Vinci e não fizesse como a maioria dos mortais que “olha sem ver, escuta sem ouvir, toca sem sentir, come sem saborear, movimenta - se sem ter consciência física, inala sem se a perceber do odor ou da fragrância e fala sem pensar” por mais que tentasse agarrar a realidade, não conseguia. O homem de fato e chapéu branco, vestido à colonizador africano, intrigara-a demais… Sentara - se sozinho no banco da frente.


Júlia pregou os olhos nos movimentos do homem do fato branco.Fez milhas de retrocesso no tempo, até chegar ao Colégio das Madres de S. José de Cluny, em Luanda. Num dia em que as acácias estavam mais vermelhas e floridas do que nunca, Roberto queimou- lhe a boca como um lume que nunca mais se lhe apagara da alma. Os dedos enganchados nas suas mãos frágeis, tímidas de menina inexperiente, ingénua, causaram-lhe um tal choque que ainda o sente ali igualzinho, naquele lugar perdido no tempo e no espaço. Passados alguns encontros, Roberto desapareceu sem dizer uma palavra. Mais tarde, justificara- se através de uma amiga comum, dizendo que seus pais o enviaram de repente sem contar, para Santo Tirso para um colégio interno, por recearem que se perdesse de amores tão cedo, por uma rapariga sem grande fortuna. Daí fora para a aviação, soube Júlia mais tarde. Em Luanda, correra depois o boato que Roberto tinha morrido num a acidente, quando pilotava.

Nunca, nunca mais ouvira falar dele. No coração de Júlia também nunca mais entrara ninguém, porque o lugar, preenchido por Roberto, continuava ocupado.
O tempo passou. Com a descolonização maldita para muitos, que matou com requintes de crueldade uma grande fatia de gentes, desgraçou tanta família, obrigando a dormir todos a molho, dias e dias no aeroporto, desprovidos de todos os seus haveres, fruto de tanta canseira, horas de sacrifício de muito português despojado de todos os seus bens em Portugal para recomeçar novas vidas em África, tudo acabou. Ficara apenas aquele sonho de amor misturado com o sabor da terra virgem em manhãs em que esta transpira e o cheiro entra pela alma, impondo-se para sempre com uma volúpia e uma insistência misturado no sangue, ampliado pela cor púrpura das acácias em flor… A recordação de uma África cheia de sortilégios vários, era tudo o que trouxera consigo na mala vazia de seus pais fugidos a correr para não perderem a vida. Quanta humilhação e necessidades passou Júlia, não o quer ela recordar mais. Agora com mais de metade da vida já passada, quer distrair-se um pouco, conviver. Viajar sempre que tiver possibilidades.


No meio de toda a sua pacatez, aquele homem de branco veio perturbá-la demais. Muito mesmo. Ressuscitar recordações adormecidas consentidamente. Quadros que revia muitas vezes, para ter a certeza de que ainda estava viva. Pareciam as feições de Roberto… Aquelas mesmas que ela um dia acariciara com olhos e alma de um modo singular, único, em que nunca mais se podem esquecer o cheiro, o sabor e as formas…


A agitação de Júlia, crescia interiormente por mais que ela tentasse dominar aquela força teimosa nascida nas entranhas, traindo-a completamente.
A vida é como um rio. Ninguém se banha duas vezes na mesma água. A saudade é uma força estranha, indomável, cruel que tortura em silêncio como um carrasco doce que nos acorrenta por amor, mas sem dó nem piedade. Sadicamente quase...Constantemente. Na solidão e na multidão. Sem descanso. Oxalá nunca sejamos visitados pela saudade!
Agora Júlia tremia. Não conseguia levantar- se do banco. E se fosse mesmo ele, o Roberto, o bem-amado, que iria acontecer? Ela não queria que ele a visse, porque se fosse ele e não a reconhecesse ou, pior ainda, se a ignorasse, ela sufocaria. Júlia pensou ir à recepção do hotel perguntar o nome daquele senhor do fato branco, mas enquanto estava na dúvida, ainda havia alguma possibilidade de ser verdade e ser ele mesmo…


Passou uma semana, evitando sempre cruzarem- se ou verem- se de frente, na

quela angústia feita de sentimentos diversos: sonho. Angústia. Tortura e dúvida. No último dia, na confusão das malas, o senhor do fato branco um pouco mais velho do que ela, caíra batendo com a cabeça. Passou muito mal. Levaram- no ao Hospital. O caso parecia inspirar algum cuidado. O conflito interior de Júlia duplicara. Que fazer agora? O grupo em alvoroço tecia comentários vários. Entre esses, Júlia escutara algumas inconfidências e…ouvira falar no Sr.Roberto!
- Coitado, é meu vizinho, mas não tem família. Vive só. Perdeu a família em África. Casou lá no Porto, mas a mulher morreu há tempos. Parece que ele até era uma pessoa de bastantes posses em África, mas perderam tudo, contou ele ao meu Zé, uma vez. -Então era ele?! Mas ele não tinha falecido num acidente, ainda jovem?! Afinal tinha casado… Teria família? Mas como pôde o destino pôlos no caminho um do outro, depois de tantas peripécias?

Anunciara agora a guia que o estado daquele passageiro inspirava algum cuidado e num curto espaço de lucidez, o Sr. Roberto pedira para regressar ao seu país. Voltou a cair em coma.
Júlia num repente, oferecera - se para o acompanhar, alegando ser enfermeira e estar ligada a esta família por laços de parentesco ainda que um pouco afastados. Para Júlia e Roberto o passeio terminara ali, mas não sabemos se a vida os presenteou com aquele encontro feito de magia e recordações que dá vida aos mortos. È bem provável que aquele encontro fosse mágico. E se nada acontece por acaso, e ‘o casamento e a mortalha no céu se talha’, como diz o Povo, o encontro aí se deu.


As condições não eram as melhores, mas como a desgraça tem o condão de aproximar os seres humanos…E como se diz que Deus escreve direito por linhas tortas, então tudo acontece no momento certo!
Afinal não são os sãos, mas os doentes que precisam de mais e mais amor…Júlia, como enfermeira, bem conhecia esse segredo da vida. Por isso vai abrir - se certamente em compaixão para com Roberto, por todos os motivos… Vamos espreitar? Deixar quem ama tranquilamente. É regra de ouro.


Além disso, ficar velho é obrigatório. Crescer é opcional, mas a experiência, a sabedoria da vida também têm muito que se lhe diga. Uma coisa é certa, nós não paramos de amar, porque ficamos velhos. Nós tornamo-nos velhos, quando paramos de amar.


Precisamos rir e encontrar humor todos os dias nas nossas vidas. Se tivermos um sonho, nunca morreremos. Crescemos sempre que encontramos oportunidade para mudar. Os mais velhos só têm remorsos pelo que queriam ter feito e não fizeram. Talvez Roberto até tenha medo da morte, porque poderá ter alguns remorsos…Por ter vivido menos bem o tempo rápido da passagem por este plano. Será que agora a vida os fez cruzar agora para darem continuidade ao seu romance interrompido, há já tantos anos? Mesmo que fosse menos tempo do que já viveram, talvez valesse a pena prosseguir um sonho que sempre se desejou. A qualidade tem muito pouco a ver com a quantidade. ……………………………………………………………………
Embora tivesse havido algum desgosto pelo grupo se ter desfeito, lá continuámos a descobrir o mundo e a nós mesmos, na relação com os outros e no mais profundo de nós mesmos, o que sempre acontece quando se viaja e ficamos naquele espaço vazio e íntimo em que tudo é sempre vestido da verdade mais nua e crua.
É engraçado observar o mundo que nos rodeia, naqueles momentos em que esquecemos as horas, os dias ou os meses, o país onde estamos. Uma verdadeira simbiose e encantamento se estabelecem entre nós e a natureza que nos envolve... Nada mais existe! Tudo se apaga para que as sensações se incendeiem e possamos fazer um todo com a paisagem.
O mais interessante é quando pensamos que o destino dos viajantes de um autocarro, vão na mão do motorista atento e interessado em chegar bem a seu termo. Naquele espaço fechado, cada pessoa carrega mundos e realidades diferentes. Não há dois seres iguais, porque além do que herdamos dos nossos antepassados e de um fundo comum a todos os seres da mesma espécie, há a educação e as nossas aquisições que fazemos com a nossa liberdade. È claro que o ambiente em que crescemos tem muita influência. É uma segunda natureza, mas no final do balanço, é bom chegar à conclusão que valeu a pena ter vivido. ‘Valeu a pena ter amado quem amei, Ter sonhado o que sonhei Ter sofrido o que sofri…diz assim a fadista.
Até se diz que não tem medo da morte quem sempre viveu bem a sua vida! Para terminar esta reflexão, enquanto fica em fundo a história interessante que nos tocou nesta viagem, ainda acrescentamos: viajar é afinal uma forma de evasão privilegiada. Espaço de descoberta e encontro connosco mesmos, com os outros e com a
paisagem…



Lucinda Ferreira















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