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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O achado- O presente - O Segredo










O Achado – O Presente – A Surpresa

(NOTA: Esta é uma história diferente de que a maioria dos homens não gosta . Também podem pensar na razão desse desconforto…
Desculpem. Parabéns aos que gostam. Qualquer realidade semelhante nas situações, é pura coincidência. Haverá factos descritos que se repetem, mas na vida, ninguém descobre nada. A vida constrói-se em cada momento diferente e inédita)


Em Portugal, ela tocava as vacas. Roçava silvas. Cavava a par com os homens. Era corada, alegre, sorridente, pura como a água que jorrava da fonte, no fundo da comprida leira.
Nos dias de festa, vibrava com o vestido novo a fazer inveja às outras cachopas.
Comia e bebia bem.
Vestia-se garrida. Punha os cordões da avó, as “arcadas” da mãe e dançava toda a noite no arraial.
O João, que lavrava e sachava milho, nos dias quentes de Maio, já lhe tinha visto mais que os tornozelos (…), os peitos a arfar, quando Rosa se vergava.
Já lhe nascera várias vezes água na boca para a desfrutar…Pensou para si, começou a imaginar, noites e noites, como se ela estivesse mesmo ali do seu lado… toda inteirinha. Era tudo tão real que o seu corpo reagia como se tudo acontecesse de verdade!
Vigiava de longe, para que nenhum rapaz da aldeia a colhesse.
Com a vinda de algum outro de fora, seria mais perigoso, porque não podia controlar.
Ás vezes, as moças encantavam-se com quem não era da terra. Era preciso estar bem atento a isso. Espantar a caça…
Um dia de calor extremo, nas mondas, foram beber água ao palheiro e… João atirou-se à Rosa.
Ela deu-lhe uma valente bofetada que lhe soube a doce…
Era segura. Até gostou. Depois, como o lado oposto do ódio era o amor e como dizem os espanhóis, os maus começos acabam sempre bem, pensou para si que a coisa podia crespar, mas havia de conquistar Rosa. Nem que fosse só por teimosia.
Após as tarefas do milho, vieram as malhas do trigo, nos dias em que as praganas se metem até na alma e queimam o pescoço. Toda a carne!
Rosa levou-lhe água fresca e uma toalha para se limpar. Estava a correr de feição a vida, para os sonhos de João…
O pai, já meio tocado pelos copos que metia para dentro para dar mais força no trabalho, estava contente com a corte que o João fazia à sua Rosa. Assim, o rapaz até trabalhava com mais gosto.
Nas festas dos três Santos populares, na noite de S. Pedro, em 28 de Junho, João acabou por pedir namoro a Rosa.
A cachopa disse que ia pensar, mas perante tanta insistência, cedeu.
O namoro de três anos, acabou na festa de casamento que durou quase uma semana, com comes e bebes para toda a aldeia.
Os pais dos noivos colaboraram o mais que as forças e as posses lhes permitiram. Aquele casamento até era a gosto dos compadres e comadres. Todos ajudaram, dando-lhes uma casita velha, antes do casamento, para terem tempo de se dedicarem ao seu arranjo.
João ajeitava-se no trabalho do campo e fazia as suas carocas de pedreiro.
Então os dois, aos fins-de-semana, carregando baldes de cimento, cal e mesmo pesadas barras de ferro, lá arranjaram o seu ninho.
Foram viver para a casa nova, num natal frio e chuvoso, aquando do seu casamento.
Aquela primeira noite foi de prazeres gozados e repetidos, pela fúria de um macho sem contemplações e sôfrego das carnes perfumadas e frescas de Rosa, há tanto tempo desejada e… cobiçada.
Ela coitada, lá se amanhou como pôde.
Suportou. Gemeu e calou tudo. Conforme mandava a descrição das mulheres da aldeia.
Prazer? Nem pingo! Apenas dor da desfloração. Carinho? Nada!
E a vida continuou.
Agora Rosa, além do trabalho do campo e da responsabilidade dos animais lá em casa – a vaca, as ovelhas, os coelhos, as galinhas, o porco ainda tinha que suportar, um amor rude, bruto e demorado, do marido potente e fisicamente bem mais forte e resistente, que o cansaço e a falta de prazer de Rosa lhe permitiam usufruir também.
Mas quem ousava abrir a boca numa situação destas?
Ela era uma mulher casada e de boas famílias. Não era nenhuma galdéria ou mulher de prazeres fáceis.
E pronto. No meio da brutalidade de João, sem qualquer prazer, saíra uma sementinha de vida que tomava forma dentro de Rosa.
Pouco tempo depois de estarem casados, ela ficou grávida.
Nove meses depois, um dia bem quente de Verão, Rosa sentiu as dores de parto. João foi a correr chamar a sogra.
Aqueceu-se água e lá entre gemidos e gritos, a avó Nazaré, aparou um rapazito corado e gordalhufo.
Mais umas tantas canseiras e esforço para Rosa, compensada agora pelos bracitos gordinhos de Manel que só queria a mãe. O seu instinto maternal ia alimentando toda a sua necessidade de amar e de se sentir amada. Não havia mais nada…
Dava de mamar ao seu menino, não sei quantas vezes. Sempre que ele chorava. Sem disciplina, mas com amor.
E a vida ia decorrendo.
Um dia, quando Rosa foi à loja da aldeia, comprar sabão para lavar as fraldas de Manelito, reparou que mal entrava, tudo se calava.
Rosa era viva e esperta. Apercebeu-se que se passava alguma coisa. Não disse nada, mas quis certificar-se.
O falatório aumentava. Naquele passar de palavra, um dia a Ti Palmira, mais linguareira, bateu forte com a língua nos dentes e disse:
- Olha, cachopa, o corno é sempre o último a sabê-lo…
O teu João fez um filho na Maria Carraça. Não é só teu, como vês. Será que tu sabes isso, mulher?
Rosa quase desmaiou. Com o filhinho apertado nos braços, ficou sem força e sem saber o que dizer.
O choque foi tão grande que o leite lhe secou.
Já não fez as compras na “baiuca” da aldeia. Foi para casa chorar.
Quando o homem veio, meio bruto e a falar aos berros:
- Estão aquelas ovelhas a berrar, ninguém lhes vai pôr comida?
- Então hoje não há ceia? Andas doida ou que é que andas a fazer, o dia todo? Anda aqui um gajo cansado e chega a casa e é isto? Devia ser cortada a língua às mulheres. Rais as partam, tanto falam!

Ao mesmo tempo, mostrava-se zangado, atirava com tudo pelo ar. Batia nos cães para amedrontar tudo e todos.

Quando o marido engana a mulher, normalmente ou a trata bem demais, presenteando-a, querendo disfarçar, ou porque precisa abafar sentimentos de culpa, sendo amável. Este nem isso sabia, acerca dos mecanismos da traição. Era bruto até ao fim. Quanto mais castigador, mais macho se sentia!
Quando a relação adúltera é mais atrevida, grosseira, machista, às vezes, o marido até maltrata a mulher. Zanga-se por tudo e por nada, sem porquê. Revê-se no seu conceito de macho com todos os privilégios, mas não tem qualquer sentimento de culpa. Tenta ainda colocar mal a mulher. Assim vai abafando e justificando a sua fraqueza e falta de lealdade. Sente-se forte e valentão perante o seu conceito de autoridade e perante os outros, iguais a ele.

É duro o dia a dia, sobretudo para a enganada, que assim se vê atraiçoada, tudo engolindo. Sem saber o que fazer.
Mal tratada, e se for preciso, ainda leva umas bofetadas de vez em quando, para ser mais humilde e para o homem na sua roda de amigos, se gabar que a sua mulher pia baixinho... “Quanto mais me bates, mais gosto de ti” – havia mesmo quem acrescentasse, no calor dos desabafos.
Dominador e senhor da situação, o homem sente-se confortável. Forte. Jamais alguém o “montaria” ou ousaria mandar em si! Um orgulho desmedido de que não tinha qualquer consciência. Tinha-se como o melhor e o mais tudo.
Qualquer coisa, quase cultural que andava no ar, fizera da maioria dos homens do mundo inteiro, sádicos. Temidos e mal amados, naturalmente. Os filhos cresciam com estes modelos, nesta violência entre portas. Mesmo sem perceberem nada das doutrinas do senhor Sade…estes machos eram exímios praticantes da sua doutrina.
Se algum era mais “macio”era logo alcunhado do “conas”, o “coninhas”…Às vezes, a cepa dava mulheres destemidas e então, com um certo desdém, o homem era logo alcunhado e conhecido, pelo Zé da Rosa, o Ti Joaquim da Ana malguinhas…
Habituados à subserviência das mães, elas próprias castradoras das outras mulheres, - por vingança, já que nada podiam fazer para aliviar os seus maus tratos, - não deixavam as mais jovens levantar a cabeça ou faltar ao respeito, porque também as mães eram tratadas um pouco à bruta. Aquilo passava de geração para geração. As cachopas se queriam casar, tinham que ter fama de “trabalhadeiras” e nada de rebeldias ou inovações. Sem isso, não arranjavam homem.

Caberá ainda aqui uma reflexão ligeira sobre a problemática feminino-masculino, na nossa Terra?

Não há dúvida que nas descobertas e na emigração, com a partida dos homens, as mulheres ficavam com um rebanho de filhos. Sózinhas, tinham que se desembaraçar.
O Brasil foi um dos destinos que nos roubou pais, maridos e homens que nunca mais comunicaram com os seus familiares. Perdiam a cabeça, o sentido das responsabilidades. Enfeitiçavam-se com as “vergonhas” das mulheres quentes e bronzeadas desses países que lhe prometiam riqueza, liberdades… poder. Tudo! Alguns até comendadores se tornavam, comprando os títulos… sem que lhes passasse sequer pela cabeça, que nisto dos títulos e dos prémios, vale mais merecê-los do que tê-los…

Mas de facto, a mulher teve que ser mãe, pai, cultivar a terra, defender e criar, educar os filhos, sozinha. Mais tarde, quando o homem percebeu essa força da mulher do seu lado, descobriu que o trabalho da mulheres no estrangeiro, lhe trazia vantagens, proventos por vezes superiores aos que ele usufruía. Então levou-a consigo para trabalhar no duro…
Em contacto com povos mais evoluídos, na emancipação da mulher, foi obrigado a ceder, aos poucos. Hoje, entre nós, a violência entre as classes mais cultas, continua sob outros rostos disfarçados de protecção, mas sempre com o mesmo conceito impresso no sangue, de superioridade, sem respeito pelas diferenças e valências das suas companheiras. Não conseguem caminhar lado a lado, ‘iguais’ inter pars’. Isto sobretudo nos mais velhos, incapazes de se adaptarem a um mundo novo, com outros modelos de convivência. Só aprendem o que lhes convém. Por exemplo, partilhar despesas e servir-se da mulher. A relação tem ser de cima para baixo. Se assim não é, cansam-se. Desistem. Sentem-se infelizes. Antes, ainda apelidam as mulheres de arrogantes e caprichosas…Outros mudam as estratégias, continuando no fundo com a mesma postura de comando. Quando lhes falha o mando, fragilizam. Encostam-se. Exploram as potencialidades da mulher, que reconhecem imprescindível para o seu êxito. Há valências que só elas controlam. Eles também sabem isso muito bem. Os políticos são exímios nesta técnica de exploração da mulher, que fica sempre na sombra. Incapazes de as amar, dizem-se muito amigos, porque no fundo têm medo da delas e nunca se dissolvem na relação de entrega, que o é apenas para a mulher. Precisam delas! Não são capazes de se completarem, de terem com elas uma relação de amor e respeito pelo que elas valem, porque tinham que descer do pedestal e “a eles ninguém põe o pé em cima”. São sempre os maiores… Os machos de serviço. Como se pudessem existir machos sem fêmeas e ... o contrário.
As mulheres por seu lado, ou têm que ser mesmo boas no que fazem ou então ninguém as deixa levantar cabeça.
Cheia de razão, se ousa enfrentar um macho com “poder”, é perseguida para sempre.
A meu ver, enquanto Homens e Mulheres não perceberem e aceitarem que só completando-se, numa relação de respeito mútuo, é que se constrói, não há harmonia nem construção possível neste mundo de ferozes guerras várias. Os medos são tanto dos homens como das mulheres. Uns serão melhores e mais fortes num aspecto; os outros serão bons noutros campos. Há que reconhecer a necessidade de partilha mútua, em paz! Acolher. Amar. Completar. Partilhar com alegria…eis o segredo do equilíbrio e bem - estar mútuo entre os sexos.
Só as almas verdadeiramente fortes, são capazes de albergar a ternura sem medo, numa relação.
Muita gente já perdeu a capacidade de amar. Agora, são só interesses que comandam. Mas…não se compram moças de amar…
Mais ainda: não somos nós que elegemos os que amamos. São eles que se nos impõem pelo que são.

Retomando a nossa história, verificamos que a Rosa não fugia à norma, naquele contexto cultural, naquele tempo e lugar de opressão.
Era recatada. Discreta. Conservadora e bem conceituada.
Tinha dado, investido tudo que era e agora, na ratoeira, sentia-se cada mais amordaçada.
Agora de mãos vazias, atadas, com um filho, que futuro a esperará? Sem saída, que iria agora fazer de sua vida?
A Rosa que nunca pensara que tal coisa lhe pudesse acontecer. Ela que sonhara com um uma vida a dois, sempre com amor e entendimento, apesar do trabalho ser muito, mas não lhe ter metido medo.
Parece que isso nunca lhe bateria à sua porta. Aconteceria aos outros, mas o seu João podia ser bruto, mas não ia trocá-la por nenhuma outra. Muito menos pela Maria Carraça que era de todos os homens.
Mas aconteceu.
Rosa começou a ficar doente. O médico receitava-lhe remédios para os nervos. Já não tinha acção para nada. Só lhe apetecia dormir. Mesmo o seu Manelito, sabe Deus o que passou.
À Maria Carraça nasceu-lhe uma menina deficiente.
Agora João debatia-se com várias frentes: a família de Rosa, que o hostilizava, a mulher doente e a
Maria Carraça sempre a atasaná-lo. A querer que fosse viver com ela.
Havia bens em comum com a sua mulher, Rosa. João não pensou que uma brincadeira duns momentos de sesta em que trabalhava com Maria Carraça, na ausência de Rosa, fosse dar naquilo que deu.
Rosa depois de recuperar um pouco do golpe e ao ter consciência de ter sido enganada, tornou-se dura. Má e vingativa.
Era um inferno. Aquele triângulo amoroso dera cabo da vida de toda a gente envolvida.
O ciúme, a vingança pairavam no ar.
Rosa prometia até matar.
A família envolvia-se na batalha do casal. A guerra estava declarada.
Alguém um dia sugeriu:
- Por que é que vocês não emigram? Ao menos, saem daqui. Longe da vista, longe do coração.
O pai de Rosa até emprestava dinheiro para pagar as viagens.
Uma tia que estava no Canadá, havia de dar uma ajuda.
Assim foi.
Um dia de muito gelo, cobrindo as estradas lavradas por tractores e muita gente varrendo a neve, acolheu João, Rosa e Manelito de três anos.
A tia Zita abriu-lhes as portas. Acolheu-os nos fundos da casa, que apesar de para eles ser a parte menos nobre da habitação, era quentinha e confortável como a casa mais rica da aldeia de onde partira João e Rosa.
Logo nessa semana, Rosa e João conseguiram arranjar trabalho.

O Canadá para as mulheres portuguesas, oferece trabalho nas limpezas, com alguma facilidade.
As mulheres italianas trabalham de costura. As portuguesas são bem acolhidas, nos serviços de limpezas.
Aos homens portugueses, na construção também não lhes falta trabalho. Os emigrantes italianos, por exemplo, ocupam-se na mecânica.

Rapidamente, Rosa se sentiu maravilhada pela abundância de dólares que trazia para casa. O menino ficava numa ama, enquanto ela, solícita, cheia de força e habituada à dureza do campo, arrumava casas amplas e limpava os vidros, escadas e alcatifas com desembaraço e perfeição.
De repente viu-se com muitas casas para limpar. Pessoas ilustres que pagavam bem, ali no momento, ainda a tratando com delicadeza. Já ia longe a rudeza das pessoas do campo da sua terra.
Inteligente e observadora, começou a ver como as pessoas se apresentavam. Roupas também já não lhes faltavam, porque os seus patrões a cobriam de fatos e vestimentas lindíssimas, como nunca imaginara possuir. Tudo um pouco usado, mas ainda novas e muito bonitas.
Ali só havia abundância.
Entretanto, João, longe de Maria Carraça, era agora e continuaria a ser tratado com desprezo, raiva e à bruta. Semeara ventos. Colhia tempestades, sobretudo à medida que Rosa se emancipava, a dureza crescia dentro do seu coração para com aquele estupor, que tanto a humilhara e tanto a fizera sofrer. Isso tudo ia ficando longe, mas ela não o esquecia facilmente. Costumava dizer: eu perdoo, mas não esqueço! Para trás, à medida que Rosa se tornava uma mulher emancipada, levando por vezes, mais dinheiro para casa do que o marido, ficaram muitas coisas que estavam a mudar, em cada momento, a seu favor. O Canadá defende animais, crianças, e sobretudo a Mulher, com unhas e dentes. A lei é toda a seu favor. Não gostava de Portugal. Não queria lá voltar sequer.
João, agora isolado, sem o coro dos amigos da aldeia, um pouco dependente de Rosa, achava que esta até tivera razão.
Embora humilhado, calava e tentava recuperar terreno, na família.
Rosa, apercebera-se de que a língua a separava da realidade a que precisava aceder. A sua cunhada cobrava-lhe caro pela sua ignorância linguística.
Depressa Rosa percebeu que necessitava conhecer a língua inglesa.
Assim fez. Logo de seguida, passou a ir regularmente à esteticista, à cabeleireira, à manicura e à massagista. Uma senhora perfeita…
Esbatida ao de leve, a raiva mais funda, num descuido, nasceu-lhe um segundo rapaz.
Alugam uma casa só para a família.
Mais tarde, compram uma casinha.
Começa a perceber que a fidelidade é uma lenda tanto para homens como para mulheres.
Conhece alguém muito mais velho. Alguém que a faz sonhar em longos e longos telefonemas. Apaixona-se primeiro pela voz… Mais tarde pelo homem.
A vida lá vai correndo.
Mantém hábitos alimentares familiares e outros, mas fora é ousada. Atrevida e ambiciosa. Se for preciso, até aprende a ser adúltera.
Compra quilos e quilos de coiratos. Põe em vinho. Depois coloca na arca. Quem chega primeiro assa, coze, come.
O marido fica no canto afastado da mesa. É sempre o último a ser servido. Não tem direito a expressar opiniões. A mãe berra e quando chega nervosa, dá ordens e põe tudo a trabalhar.
A cadelita guincha de medo com os gritos da dona. Faz xixi aflita e depois leva tanta pancada, como o bombo lá da aldeia, em dia de festa.
… Mas como cãozinho fiel, embora infeliz, lambe sempre as mãos da dona e salta de contente, sempre que ela chega, barulhenta e apressada.
- Despachem-se tenho que ir para a minha massagem.
- João, tira a roupa da máquina.
-Manel vai despejar o lixo.
-Bob vai fazer as camas…
Sempre a comandar, berrando. Depois pega no carro, que o marido paga em prestações e sai toda produzida. Pintada. De saia curta, porque os homens lhe gabam as pernas gordas e… mal feitas.
Mas isso faz-lhe bem ao ego. O amigo envia-lhe emails – sim porque teve que aprender, para puder receber todas as baboseiras do velho, que a deliciavam.
Um dia um dos irmãos diz:
- João, temos que trazer a mãe para o Canadá. Ela deu-nos todas as terras, dinheiro, tudo o que tinha. Não pode andar. Está a ficar demente. Se a deixarmos lá ficar, toda a aldeia nos cai em cima e não a podemos deixar morrer como um cão.
Num dia de Primavera, em que as macieiras selvagens enchem de flores o parque amplo e verde, à beira da ponte, lá chega a velhota.
Não sabe, a pobre, o que a espera.
Não sei se também não levou uma tareia…
Os cabelos “enrissados”, arrepelados , penteados à pressa, à bruta, isso era o pão nosso de cada dia.
Depois, quando fazia as necessidades que não devia, era insultada e tratada aos repelões.
Comida, era se queria. Se não queria cheirasse e deixasse. Ficava sozinha como cão, todo o dia.
João saía às cinco horas da manhã. Regressava tarde e cansado. Não riscava nada na família. Os filhos eram brutos, grosseiros e indiferentes a tudo o que era mais cansativo ou difícil.
O mais novo, Bob, com quinze anos, grande como um jogador de box, muito corado, chegava a casa e assava seis bifanas que “mamava” de uma vez, como se comentava entre eles. Se não houvesse para mais ninguém, também não fazia mal. ‘Limpava’ compulsivamente, tudo o que encontrasse.
Quem chegava primeiro, fazia e comia.
Nos dias das compras comia-se à maluca, depois se havia dias sem nada …paciência.
- Desenrasquem-se – dizia a mãe berros, quando chegava.
E andava tudo direitinho.
A velhinha, a Ti Jaquina, era tratada com o mesmo carinho do animal, a meiga cadelinha preta de olho malhado.
O pai ralhava muito, quando Rosa o picava.
O Manel ia para casa da namorada.
Tinha um carrão metalizado, comprado com tudo o que ganhava e ninguém podia sequer pôr um dedo sobre o carro.
O mais novo, Bob, gordo, bruto, indiferente a tudo, sentava-se no computador de barriga cheia, indiferente a tudo que o rodeava.
De noite urinava na cama. De dia fazia todas as suas necessidades nas calças.
A mãe, coquete, maluca, apaixonada, agressiva e… cansada, chegava sempre a correr.
A primeira coisa, ia à net ver o correio do seu amigo.
A seguir ralhava. Depois ralhava… tornava a ralhar e quase comia a velha.
… Até que um dia… quando todos chegaram a casa, a Ti Jaquina já não estava mais entre os vivos.
Chegado o filho, Rosa berra e diz:
- Agora, como é que nos livramos da velha?
Até morta causa problemas!
Alguém sugeriu:
- Temos que ir aos USA, porque não a embrulhamos muito bem e a metemos no atrelado? Põem-se as coisas por cima.
- Lá fala-se com o Padre, e enterra-se lá. Qual é o problema?
- Tinham um irmão no estado de Nova York, relativamente perto dali onde estavam, que certamente iria compreender tudo muito bem. Senão que resolvesse ele como entendesse. Eles fizeram o melhor que puderam. E já tinham aguentado muito…sozinhos com a velha…
E lá se fizeram ao caminho.
Afinal, na desgraça, até os inimigos se entendem….
Pararam todos. Acharam até que era uma solução possível. Apressou-se a partida. Dois dias depois, estavam em marcha com o atrelado cheio das sobras e… também o cadeirão da velha.
E lá foram rolando, estrada fora, contentes e satisfeitos, pensando que bem depressa se livrariam daquele peso.
Chegados à fronteira, passaram sem problema. Já do outro lado, saíram todos descontraidamente para almoçar.
O movimento era grande. Demoram-se mais um pouco.
Chegando junto do carro… a surpresa foi grande, porque o atrelado já lá não estava.
Tinha sido roubado…Um grupo de gente jovem, meio a sério, meio a brincar levara o atrelado, tendo o cuidado de arrancar matrícula. Alguém sugeriu que era melhor trocá-la. Assim fizeram. Já longe, estariam à vontade e despistariam quem quer que desse pela falta do atrelado.
Começaram sofregamente a tirar tudo. Lá no fundo, havia um embrulho estranho.
Alguém foi mais fundo e…!!! soltou uns palavrões jeitosos. Os outros riam, nervosos e confundidos com a surpresa…
- Eh, pá e agora como é que vamos fazer?
-Tás doido! Vamos já pular daqui o mais depressa possível. Quem vier depois, que se desenrasque.
-Atiramos isto para um barranco.
.- O quê, ainda ter que suportar este fedor mais tempo?!
- Eu quero é já ir embora daqui.
-Let’s go!- berraram em coro.
E lá foram os três rapazes ligeiros e apressados, para ninguém se aperceber que estavam ligados a tal estranho achado.
Durante mais de uma semana, o corpo da Vóvó tantas vezes batido pelo vento nas leiras do Norte de Portugal, jazia em decomposição rápida, exalando um cheiro pestilento e fétido, a uma distância considerável.

Os brincalhões atrevidos que roubaram o atrelado, também já estavam noutra, esquecendo rápidamente o macabro achado.
Mas o maldito cheiro levado pela brisa, empestava cada vez mais longe a berma da estrada, no resguardo rodoviário onde ninguém ousava parar. Mal encostavam, arrancavam logo…
Até que um dia, a polícia encostou também.
Eis senão quando, um dos agentes vai mais longe e…
- Um cadáver de uma idosa…
Posto todo o sistema em movimento, durante meses, a nenhuma conclusão se chegou.
………………………………………………………..........
E agora?
- Comunica-se às autoridades que nos roubaram o atrelado? – perguntava Manelito.
- Como?
Queres ir preso tu e toda a família ?– diz Rosa.
O pai, calado, coça a cabeça. Fica um pouco a pensar e diz:
- Vamos embora, o que é que havemos de fazer?
O mundo dá cada volta…
Nem falo nos electrodomésticos que nos roubaram. Olha, compramos outros.
O resto logo se há-de ver…
- Como ela já estava doida, dizemos que desapareceu de casa. Os teus irmãos que a procurem.
Nós já fizemos a nossa parte.
Entretanto os seus familiares tentaram de todos os modos, esquecer o episódio, que deixaram para tràs com alívio. Feliz coincidência de roubarem a matrícula, resolvera em parte, a situação que até podia ser bem mais embaraçosa …
E descontraídos aparentemente, lá seguiram viagem, tomando agora um rumo um pouco diferente.
Criou-se, contudo uma cumplicidade ameaçadora e poderosa entre todos. Quem abrisse o bico, comia e fazia a desgraça de toda a família. Pairava no ar, algo que os ligava terrivelmente e assustava um pouco. Já que o amor não os ligava, unia-os agora o medo da justiça. Um segredo pesado, escuro, pouco lisonjeiro para cada um deles, num país onde a justiça é cega e severa. Até podia passar pela expulsão de toda a família, ao descobrirem tal comportamento…
_- Vamos passar uns dias, em casa daqueles amigos, junto do lago Muskoka?
Primeiro ninguém ouviu, mas depois pensando bem, até acharam que era um boa solução.
...E assim se passaram umas belas férias, sem ninguém a incomodar …para além da consciência pesada e suja que nunca mais os abandonou dia e noite, mesmo em sonhos e pesadelos. Mal acontecia algo menos bom, alguém alvitrava:
- Isto é o castigo do que se fez…
Ninguém esperava bom fim nas suas vidas.
Mais uma vez: ”Quem semeia ventos, colhe tempestades”…
Redobrou de ansiedade, o pesadão filho mais novo, Bob.
A mãe Rosa, de vez em quando, bebia uns copos valentes para ficar mais eufórica e esquecer…
João debatia-se em diferentes pensamentos, chegando a desejar que tudo voltasse atrás, para se redimir de tanta “borrada” na sua vida, mas o caminho faz-se ao passar e o que fizemos, fica escrito e impresso no livro da vida para sempre!
Muitas vezes, se quedava a olhar o vazio, com remorsos do que fizera à mãe.
Enfim, mas agora ali junto ao lago, naquela maravilha, que havia de fazer?
Olhem, era preciso ter cuidado com os ursos que durante a noite se divertiam no jardim!
- É melhor não sairmos para apanhar o fresco da noite. Que se lixe - diz o Manelito.
-Jogamos as cartas …respondeu o outro.
-Esta até foi boa. – acrescentou alguém.
Parece o último filme policial que vimos ontem : os pais que comeram o filho assado num espeto e que deram a comer aos convidados, que vieram confraternizar com eles, também junto de um lago!
- HI!Hi! Hi! Hi ! HI! – riu o filho gordalhufo, habituado só a ver violência e sexo, fazendo uma mijada mais forte nas calças para a mãe lavar…


Lindamar