Powered By Blogger

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Viajar por dentro do tempo e do espaço...





Viajar por dentro do tempo e do espaço...
imgens net


A lembrança da infância é o único sonho real que nos resta na fase madura da vida, os demais são meras utopias.


Como cada dia é sempre dia de qualquer coisa, hoje para mim, é o dia de RECORDAR..Viajar por dentro de mim em direcção a um espaço e a um tempo que só eu conheço.

Aprendi a falar menos, para escrever mais.Para dizer a verdade, não me dá menos prazer…

No meu tempo de Criança não havia antibióticos.

Mal punha os pés no chão frio, ficava com anginas.
Um febrão.Dores de cabeça e pontinhos brancos na garganta.
 Uma tia velhota dava-me uma zaragatoa sem piedade enquanto repetia: "É para ficares boa" e..tinha que aguentar.Pincelava com tintura de iodo que ardia e me fazia “ vomitar as tripas”!

Ficava quinze dias de cama, mas na cama de meus pais, de dia. Era um direito que me era concedido por estar doente e poder ficar  numa cama mais larga, com as minhas bonecas de pano que eu fazia e com quem conversava imenso. Levava-as ao médico, à Escola...

Quando estava doente, a minha Mãe fazia o sacrifício e comprava-me uma boneca de papelão.
 ( Um dia esqueci-me e deixei-a no pátio. Choveu de noite. De manhã a minha boneca estava desfeita. .Fiquei muito triste e chorei  pela minha "filha".)
A Mãe escondia-a .Depois dava-ma em ocasiões especiais, quando estava mais sofrida. Como era delicada e sabia fazer surpresas…

A febre não baixava. Delirava. Sobretudo lá para a noite, a febre subia muito. Parecia que muitos pássaros me picavam na cabeça…E ainda não conhecia a história... Os Pássaros de Daphne Du Maurier sobre a qual em 1963, Alfred Hitchcock realizou o filme de suspense ainda hoje apreciado.

A minha Mãe querida era tudo na minha vida.Dona de casa, trabalhadora dentro e fora de casa, e ainda era a minha enfermeira dedicada.
 Lembro-me que me esfregava com álcool e isso me aliviava muito.A febre baixava.

Como as ideias surgem em cacho, recordei hoje estes factos, ao ir às compras.Na realidade, os sentidos despoletam e dão-nos acesso às recordações. São os cheiros .Os sabores.O tacto.Os sons.As imagens...Neste caso, talvez  reminiscência inconsciente tal como Marcel Proust ...À procura do tempo perdido...

Olhei para a pescada, marmotas, que costumo comprar à procura daquele sabor que tinha o peixe com o primeiro feijão-verde e uma batatinha nova dos nossos canteiros que eu ajudava a regar.

Quando estava doente, a Mãe comprava-me pescada á Senhora Ilda Peixeira, que vinha a Coimbra duas vezes por semana, comprar peixe fresco. Com uma cesta à cabeça , que hoje não sei como se segurava tão direitinha, ia à nossa porta vender.

O sabor daquela comida era tão especial que ainda continuo à procura dele, mas em vão…

Os cheiros e os sabores mudaram ou fui eu que mudei, mas aquele gostinho nunca mais o consegui esquecer…Nem repetir.

Às vezes sozinha , tenho vontade de comer, mas não sei o que hei-de cozinhar.Então recordo-me da comida simples de que tanto gostava e que a minha mãe fazia sempre com muito amor . Aquela energia de disponibilidade e de fazer sempre o seu melhor, são impossíveis de reconstruir até porque ela já não está entre nós.E que saudades, Deus meu!

Quando vinha mais tarde para casa,porque andava por fora ao serviço do Ministério da Educação de onde recebia o dinheiro para alimentar toda a Família, ela estava sempre à minha espera.
Sentava-se ao meu lado, fosse a que hora fosse e esperava que eu acabasse de comer. A comida estava sempre quentinha.

Um dia ela estava a cozinhar e nas minhas traquinices de criança, toquei-lhe no braço que levava uma vasilha com água a ferver!
Queimou-me nas costas.Lembro-me de como eram horríveis aquelas dores.

No Hospital local, mostravam-me um boneco, o Teimoso, para me distrair e poderem espremer-me as “borbulhas”.Magoavam-me muito. O sangue saltava para as batas brancas.Eu chorava assustada, cheia de medo!

Foi o meu Pai que escrevia as cartas e ajudava toda a gente e sabia muito sobre mezinhas, que fez uma pomada caseira ( de que ainda sei os ingredientes e a fórmula) e me curou.
Lembro-me ainda hoje da sensação de frescura que aquele remédio caseiro me causava.

Tudo era natural e vinha da Mãe Natureza. Não tinham compressas nem outros materiais.Desinfectavam tudo com álcool ou água a ferver.
Usavam uma folhinha de uma erva chamada Língua de Vaca que cresce muito e come as outras plantas. Há tempos, uma semente trazida pelo vento fez crescer uma dessas plantas no meu jardim. Como a estimei e me lembrei como fora ela benéfica para mim.Reconheci-a. Falei-lhe.Agradeci-lhe com amor!

Aliás ainda não lhes contei, mas beijo o aveludado das minhas flores quando abrem.Converso com elas.No meu jardim há sempre algo a florir…E como já disse há tempos,quem tem um Jardim e uma Biblioteca já nada mais lhe falta!

Voltando à minha infância, recordo de como as “bichas” eram um terror que me obrigava a tomar óleo de rícino, como purgante.
 Para beber aquela coisa péssima de engolir, tinham que me ameaçar com a Guarda Republicana que me levava presa. Ficava assustada e quando depois mais tarde passavam lá à porta ou os Ciganos ( De tempos a tempos passavam em carroças bandos de ciganos e nós , as Crianças, tínhamos muito medo deles.Por vezes fixavam-se por lá uns tempos e no início eram muito correctos , mas quando estavam para partir , “faziam sempre das suas”), Nós, os mais pequenitos, escondíamo-nos…Debaixo da cama.

Quando estava mal da “barriga”, a Mãe levava-me à Senhora Glória, uma senhora desdentada , com umas grandes argolas nas orelhas e que morava na Cova do Cume.
Era muito boazinha para mim e tratava-me.Quando voltava para casa já vinha boa.
Deitava-me de costas e com azeite morno esfregava-me a “barriga”com movimentos circulares muito suaves que ainda hoje “sinto”.Lembro-me que ficava muito aliviada. A Senhora Glória Também cortava o “cobrão” e “endireitava a "espinhela". 

A minha Mãe aprendeu com ela e depois fazía-nos em casa quando precisávamos , pois isto era extensivo aos adultos .

 Minha Mãe, mais velha sete anos do que o Pai, era muito amiga dele .Cuidava-o com todo o cuidado, pois era mais saudável. Inteligente e muito sensível.

Minha Avó morrera de parto. O Pai morrera na guerra de Espanha… A minha Mãe crescera muito desamparada.

Aprendeu a ler sozinha!

Ensinou outras amigas a ler e a escrever. 

Tínhamos sempre as jarras enfeitadas .Hoje recordo a graciosidade como armava um ramo, por intuição naturalmente.

 Bordava muito bem.Os bordados eram a sua paixão. Assinava revistas das quais ainda conservo algumas.

Amava os animais e as plantas com uma deferência e carinho que me tocaram e me fizeram o que hoje sou.

O amor que deu a todos nós e aos meus filhos em particular (Eles estão aí para o testemunhar e guardam essas marcas…) são o mais belo Poema Vivo que alguma vez alguém poderia escrever e imprimir com afecto e dedicação para sempre nas nossas almas!


Agradeço por todas as vezes que me fez sorrir…Às vezes só percebemos a importância de um momento, quando ele se torna apenas uma lembrança…

 “Lembranças da infância são incomparáveis. São experiências desejadas e vividas.Momentos de uma época das mais confortáveis.Estímulos de amor para resto da vida.”Djalma CMF