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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Relance- Gente da minha vida- O Sr.Zé Rato

Relance – Gente da minha vida – O Sr. Zé Rato 



Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais.Bob Marley




Morava na Terra de Ordem. Um lugar escondido entre pinhais, coisa que infelizmente já não existe. O progresso desventrou todos os lugares de silêncio e natureza...

Era uma personagem destemida. Dava uns passos muito largos e desajeitados. Usava umas tamancas que eram uma espécie de botas, mas tinham o rasto de pau, bem grosso. Andava sempre feliz e bem-disposta. Eufórico, pois sentia que era alguém super importante! Tinha a ideia que era o Presidente de todas as associações importantes locais. Ia repetindo:

 - Eu sou o Presidente da Câmara! Comandante da Guarda Republicana! Presidente do Rancho! Presidente do Grémio! Presidente do Hospital! Eu sou o Presidente de tudo!

A alegria do cargo de ser presidente, dava-lhe força para viver. Era essa ilusão que o tornava diferente!

Era conhecido pelo Zé Rato.

Estava sempre preocupado com o bem-estar das populações. 

Quando o cruzavam, choviam pedidos de ajuda.

Não havia luz eléctrica nas casas, muito menos na rua!
Nas noite de luar, era uma maravilha vir à rua, enquanto ralos, grilos e outros animais da noite, traziam no ar a magia dos sons harmoniosos. Pacificadores.
Não havia os mortíferos pesticidas que hoje dizima passarinhos e todos os outros pobres bichos indefesos e tornam o Planeta Terra triste.

Quando a luz do sol se escondia, nos casebres, tremeluzia a luz da candeia, esgueirada pelas frinchas ou pelo estreito janelo da cozinha, enquanto a fogueira na lareira térrea, ardia no chão, alimentada com pinhas e gravetos, apanhados nos pinhais dos vizinhos, que não se importavam, nem tomavam como abuso.

Na panela quase vazia, fervia o caldo que se comia com boroa e meia sardinha, para cada um dos oito e mais filhos, sentados num tosco banco de pau, à volta das panelas pretas  e desgastadas.

Nas casas mais ricas, já havia o candeeiro a petróleo. Era preciso lavar a frágil chaminé todos os dias. Ter o cuidado de encher de petróleo o candeeiro. Se o sol se escondia, sem fazer essa tarefa, ficava difícil.
Mais tarde, o candeeiro a petróleo chegou aos mais pobres. Os outros, entretanto, já tinham os gasómetro de uma luz vivíssima, mas com cheiro a carboneto. A seguir veio o petromax, o que era um luxo!

Então quando o Zé Rato passava, as pessoas bombardeavam-no, com pedidos: Ele a todos ouvia e respondia com toda a seriedade e sua convicção de homem poderoso!

Era pródigo em promessas, a quem lhe solicitava ajuda…As pessoas riam, mas no fundo, ele ia alimentando a esperança daquelas pobres gentes.

Nisso, ele antecipava-se ao comportamento dos políticos visionários ou premeditados mafiosos, de todos os tempos. Tinha sempre uma solução para os casos mais difíceis.

“- Então Zé, quando é que trazes a luz, cá para terra?”

- “Já estou a tratar disso”. Respondia convicto, optimista.

- Então e água canalizada, Zé? Ainda ontem, a Ti Ana caiu no poço. Foi uma aflição. Ia lá morrendo afogada.

- Isso também já está a ser tratado!

E a esperança caminhava animada, de mão dada com a impotência de um pobre homem, vivendo na mais pura ilusão.

Um dia, na cabeça dos espertos, menos escrupulosos e mais loucos do que o pobre homem, maquinaram gozar o Zé Rato. Tentaram pregar-lhe uma partida.
Como ele dizia que não tinha temor de nada. Enfrentava toda a gente destemidamente, íamos ver desta vez, como reagiria…

Ora, acreditava-se que as bruxas faziam piscar pequenas luzinhas enquanto dançavam nas encruzilhadas. O Diabo aparecia para as proteger, à meia-noite. Toda a gente receava por isso, passar nesses lugares a essa hora.

O Zé Rato indiferente a essas crenças, passava a qualquer hora. As pessoas sabiam. Embora não o confessassem, admiravam a sua coragem.

Um desses astutos maldosos , mobilizou outros camaradas e tentou intimidar o Zé Rato. Fizeram lhe saber, que o Diabo um dia destes, ia aparecer-lhe na encruzilhada, quando ele fosse a passar. Tinha que ter cuidado.

Assim foi. Dois ou três ousados palermas, enrolados em lençóis brancos luzindo na noite de lua cheia, aparecerem de repente na encruzilhada, para atemorizar o Zé Rato e assim, nessa inesperada espera,  se divertirem com o susto do pobre homem.

Então ele passou à pressa sem reagir. Foi a casa buscar uma afiada gadanha e gritando em voz alta, dirigiu-se destemidamente, para junto dos fantasmas que se moviam com sons estranhos, ecoando na calada da noite…

- "Eu não tenho medo do Diabo! Eu mato o Diabo! Vou já espetá-lo com esta gadanha para ver quem é mais forte"!

Aflitos. Em grande perigo, os “diabos e bruxas”tiveram que fugir à pressa, a fim de que a brincadeira não acabasse mal e os seus corpos não ficassem espetados, permanecendo estatelados esvaindo em sangue, na encruzilhada fatídica.

Foi grande o gozo, ao outro dia, ao saberem o que se passou.

 Toda a gente da zona, comentando a esperteza saloia daqueles patetas mais tolos do que o Zé Rato, passaram com carinho, a admirar um pouco mais o herói!

O Zé Rato quase ia sendo levado em ombros.
De facto, ele demonstrara ser o Presidente da coragem e do sonho!

Independente e ocupado com uma realidade carente de soluções para todos, ainda que fosse só em imaginação, dentro de si, louco ou não, animava a miséria e a tristeza de seus vizinhos !


 img.net
Normalmente, são tão poucas as diferenças de homem para homem que não há motivo nenhum para sermos vaidosos.Barão de Montesquieu

…e desrespeitosos, gozando com a fraqueza dos outros…acrescentaria eu
Lucinda Ferreira
C.ª 23.8.16