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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Uma estrada de luz




Estrada de Luz


A estrada ia-se alargando …
O Conhecimento abria-se , em cada dia , em cada semana, em cada mês, em cada ano.
A vida ia avançando.
Iam ficando para trás , os sábados de Educação Física, Canto Coral e Educação Cívica.
Além das aulas, todos os dias, das 9horas até às 17 horas e 30 minutos, aos sábados, cantávamos. Fazíamos Ginástica. Aprendíamos a Doutrina. Estas aulas, em conjunto com os rapazes, muitas vezes, era o Senhor Professor quem as dava .
Nessas ocasiões, as meninas, não se atreviam a mais nada, senão a olhar para os rapazes de quem gostavam mais. Ninguém ouvia a cantilena do costume:
- Minha Senhora, posso ir lá fora?
Todos perfilados e direitinhos. Que vergonha , se se apanhava um ralhete, à frente de toda a gente.
Os livros, que ainda conservo todos, traziam indicações bem precisas. Os textos eram exemplos de união da família, modelos para as meninas e para os rapazes.
Nesta Escola, havia algo particularmente importante.
Uma Senhora Castelo Branco, abastada e condoída com as crianças que passavam um dia sem comer, subsidiava uma cantina escolar .
A Professora distribuía material escolar e uma refeição a quem era mais pobre. Tudo era pago por estas senhoras alentejanas.
Uma tigelinha de sopa quente, 1 pão e uma peça de fruta, era um almoço de luxo, para quem nada comeria em todo o dia, se não fosse esta bênção.
Grandes panelões de sopa e a sala aquecida com fogareiros de serradura, tornavam aquele momento mágico, para a maioria das crianças a quem os pais pouca atenção davam, por falta de tempo com muito trabalho na lavoura.
Mal soavam as aquelas palavras:


- “Podem arrumar. Podem sair.”, era uma algazarra. Uma corrida…A escorregar pela barreira da escola, para ver quem ficava à frente. Quem era servido, em primeiro lugar. A quem chegava primeiro aquele conforto… À barriguita vazia.
Quem não tinha direito a comer na cantina, comia da sacola de pano ( ainda não havia saca de plástico…), um pedacinho de boroa com sardinha, ou línguas de bacalhau.
Raramente alguém comia fruta. Muito menos leite ou qualquer outra bebida. Talvez levassem um garrafita de água ou no recreio, bebiam da torneira, com a mão.
A minha amorosa mãe ia - me levar o almoço. Eu comia em casa de uma amiga dela, sobretudo quando estava muito frio.
Ainda eram uns 3+ 3 quilómetros que andava , de manhã e à tarde. Tudo a pé , naturalmente. Sem medo de mandar as crianças sózinhas aquela distância, estrada fora.
À Cantina , no Inverno, chegavam, grandes garrafões de óleo de fígado de bacalhau.
Os meninos e meninas, em fila , levavam a sua colher de sopa e …záz . Toca a engolir. Seguido de um gomo de laranja.
Nós, que não tínhamos direito à cantina, pagávamos e podíamos ir tomar o óleo de fígado de bacalhau , se quiséssemos.
No Natal, as Senhoras Castelo Branco ofereciam roupas, no final de uma récita , organizada pelos Senhores Professores e onde eu gostava de entrar e representar.
No final do ano, eram anunciados os dias das provas finais, de passagem de ano…
Levávamos uma folha de papel de 35 linhas e tudo muito limpo, lá se fazia a prova.
Não esqueçamos que a Professora tinha as quatro classes e nunca se queixava…
Para os exames da 3.ª e 4.ª classe, normalmente estreávamos uma roupa e calçado novos. Íamos, como se fôssemos para um festa. Tudo com grande solenidade.
Na 4.ªclasse, o júri era composto pela nossa Professora e Professoras de fora.
Os melhores alunos recebiam um prémio.
A Professora era também a atenta conselheira pedagógica.
Depois da 4.ªclasse, chamava alguns Pais e dizia:
- É uma pena se esta pequena , se perde e não vai estudar…
Os Pais nunca punham em causa , os Professores .


Davam uma valente soba aos filhos, se soubessem que estes se portavam mal na Escola, envergonhando a família.
As crianças que tinham que trabalhar muito cedo para ajudar a família, descalços e sabe Deus como mais em todo o resto , choravam por não poderem ir à Escola.
Os rapazes “safavam-se” indo para tropa. Cumprir a vida militar obrigatória. Alguns faziam-se “grandes homens”…
Outros iam servir para vendas de azeite, negócios de gado, peles e ferro velho.
As raparigas aspiravam casar-se rapidamente, desejando muito sair da família. Eram obrigadas “a servir” e a dar todo o dinheiro ganho, aos Pais. Essas eram as mais felizardas, porque as outras matavam-se a trabalhar no campo de manhãzinha até altas horas!
Quando se casavam, por vezes, ainda era pior.
Trabalhavam que nem escravas. Ficavam cheias de filhos e…ainda apanhavam muita pancada, dos maridos brutos e bêbedos tantas vezes, sempre caladinhas.
No final , todos acabavam a pedir, em ranchos de casa em casa.
Não havia reformas. Nem lares. Nem subsídios…
Ainda me lembro , quando era pequenita, ver ao cimo do lugar, ao sábado, o bando dos pobres, por volta do meio dia, que descia , batendo às portas , pedindo esmola.
Gritava eu a correr:
- Mãe, já lá vêm os pobrezinhos.
E toda a gente, embora não fosse abastada , era solidária com estes mendigos .
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Nota:
Uma Escola Primária há 50 anos, no campo. Comparemos com a Escola de hoje…
Retalhos da vida , há 50 anos, que alguns certamente ainda recordam.
Outros nunca conheceram!