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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

POEMA.. No vão da escada...


No vão da escada…

Contava a minha amiga
Dora Ferreira,
No Canadá
Que do outro lado de lá
No passado, em Portugal,
A mãe era porteira.
Reinava Salazar.
Um tempo afinal
De fome. Violência. Repressão
-Tudo se passava em segredo
 Todos escondidos. Cheios de medo
Sem sequer poder falar
Continua a recordar.
Tão fundo gravado em seu coração!
Viviam num escuro.Apertado. Exíguo rés-do-chão
À entrada, sob a escada
Cedido a favor
Pelo dono do grande prédio
Em troca do labor
Que nunca acabava.
Não se podia dizer nada
Não havia outro remédio
Cara alegre. Agradecida.
Já era uma sorte ter casa para morar
Quando tantos dormiam ao relento. Ao luar.
Era assim a vida.
Quando a mãe saía
Ela não dormia
Falava com Nosso Senhor
Que a protegia
E tudo via, como ela...
Percebia. Via muito mias e  melhor…
Pequenita. Em casa, sozinha
Fechada na cozinha
Espreitava assustada
Pelo buraco do vão da escada
Que dava para o hall da entrada.
E que via ela da casa sem janela?
A Pide queimando com cigarro
A vítima que chorava impotente.
Naquele canto isolado. Sem gente (…)
Tudo acontecia rápido. De repente!
Mestria habitual. Gesto Cruel. Brutal.
Assustada. Olhito aberto. Arregalado.
A criança espreitava...espreitava...espreitava…
De cara colada no buraco
Cabeça escondida com um saco
Cheia de medo
Guardava em segredo
Nem se mexia...
E se alguém a via?
Quando a mãe chegava
Ela contava... Contava…Contava…
 Emocionada nunca mais se calava!
A mãe fingindo não perceber, repetia atemorizada:
-Ó filha, andas a sonhar
Que imaginação…
Tu não viste nada!
Deixa lá isso. Anda, vem comer.
Atenção, naquele tempo não havia televisão.
A pequenita confundida.
 Reprimida. Atrapalhada.
 Naquele susto sem saber o que pensar. Não percebia
Ficava calada. Fechada. Sem entender.
Não sabendo porque tinha que mentir
Guardando horrores dentro de si
 Sem sequer poder sair dali
Nem disso poder falar
Será que era proibido ter olhos? Ver?
Desconfortável. Naquele sombrio lugar.
Frio. Vazio. Prisão.
........................
Hoje, lá longe, avó generosa.
Acompanhada. De todos, rodeada. Livre. Feliz
 Sabe que nada foi ilusão...
Consciente ainda diz:
- Todos os dias era igual.
Era mesmo uma emboscada.
Aquele tempo escuro. Duro e sem pão.
Era assim em Portugal
Tudo o que vi e não esqueço foi verdade!
E a liberdade?
Não existia. Toda a gente sabia.
Então e hoje?
Hoje, ela passeia-se encasacada
Na rua . Talvez, quem sabe outra vez
Num vão de uma escada..
Passeia braço dado
Imagem dum passado?
Mentira e  ilusão
Abraços. Políticos. Economia.Mordomias.Pobreza.Doença. Solidão.
...E não vale a pena dizer mais nada…
...No vão de uma escada...

 COIMBRA, 29.11.12
LUCINDA FEREIRA

No vão da escada...


No vão da escada…

Contava a minha amiga
Dora Ferreira,
No Canadá
Que do outro lado de lá
No passado, em Portugal,
A mãe era porteira.
Reinava Salazar.
Um tempo afinal
De fome. Violência. Repressão
-Tudo se passava em segredo
 Todos escondidos. Cheios de medo
Sem sequer poder falar
Continua a recordar.
Tão fundo gravado em seu coração!
Viviam num escuro. Exíguo rés-do-chão
À entrada, sob a escada
Cedido a favor
Pelo dono grande prédio
Em troca do labor
Que nunca acabava.
Não se podia dizer nada
Não havia outro remédio
Cara alegre. Agradecida.
Já era uma sorte ter casa para morar
Quando tantos dormiam ao relento. Ao luar.
Era assim a vida.
Quando a mãe saía
Ela não dormia
Falava com Nosso Senhor
Que a protegia
Que tudo vê muito melhor…
Pequenita. Em casa, sozinha
Fechada na cozinha
Espreitava assustada
Pelo buraco do vão da escada
Que dava para o hall da entrada.
E que via ela da casa sem janela?
A Pide queimando com cigarro
A vítima que chorava impotente.
Naquele canto isolado. Sem gente (…)
Tudo acontecia rápido. De repente!
Mestria habitual. Gesto Cruel. Brutal.
Assustada. Olhito aberto. Arregalado.
A criança espreitava...espreitava...espreitava…
De cara colada no buraco
Cabeça escondida com um saco
Cheia de medo
Guardava em segredo
Nem se mexia...
E se alguém a via?
Quando a mãe chegava
Ela contava... Contava…Contava…
 Emocionada nunca mais se calava!
A mãe fingindo não perceber, repetia atemorizada:
-Ó filha, andas a sonhar
Que imaginação…
Tu não viste nada!
Deixa lá isso. Anda, vem comer.
Atenção, naquele tempo não havia televisão.
A pequenita confundida.
 Reprimida. Atrapalhada.
 Naquele susto sem saber o que pensar. Não percebia
Ficava calada. Fechada. Sem entender.
Não sabendo porque tinha que mentir
Guardando horrores dentro de si
 Sem sequer poder sair dali
Nem disso poder falar
Desconfortável. Naquele sombrio lugar.
Frio. Vazio. Prisão.
Hoje, lá longe, avó generosa.
Acompanhada. De todos, rodeada. Livre. Feliz
 Sabe que nada foi ilusão...
Consciente ainda diz:
- Todos os dias era igual.
Era mesmo uma emboscada.
Aquele tempo de escuro. Duro e sem pão.
Era assim em Portugal
Tudo o que vi e não esqueço foi verdade!
E a liberdade?
Não existia. Toda a gente sabia.
Então e hoje?
Hoje, ela passeia-se encasacada
Com a mentira e a ilusão 
Na rua 
Abraços. Políticos. Economia.Mordomias. Mão na mão…
E não vale a pena dizer mais nada…

 COIMBRA, 29.11.12
LUCINDA FEREIRANo vão da escada…



Contava a minha amiga
Dora Ferreira,
No Canadá
Que do outro lado de lá
No passado, em Portugal,
A mãe era porteira.
Reinava Salazar.
Um tempo afinal
De fome. Violência. Repressão
-Tudo se passava em segredo
 Todos escondidos. Cheios de medo
Sem sequer poder falar
Continua a recordar.
Tão fundo gravado em seu coração!
Viviam num escuro. Exíguo. Apertado rés-do-chão
À entrada, sob a escada
Cedido a favor
Pelo dono grande prédio
Em troca do labor
Que nunca acabava.
Não se podia dizer nada
Não havia outro remédio
Cara alegre. Agradecida.
Já era uma sorte ter casa para morar
Quando tantos dormiam ao relento. Ao luar.
Era assim a vida.
Quando a mãe saía
Ela não dormia
Falava com Nosso Senhor
Que a protegia
Que tudo vê muito melhor…
Pequenita. Em casa, sozinha
Fechada na cozinha
Espreitava assustada
Pelo buraco do vão da escada
Que dava para o hall da entrada.
E que via ela da casa sem janela?
A Pide queimando com cigarro
A vítima que chorava impotente.
Naquele canto isolado. Sem gente (…)
Tudo acontecia rápido. De repente!
Mestria habitual. Gesto Cruel. Brutal.
Assustada. Olhito aberto. Arregalado.
A criança espreitava...espreitava...espreitava…
De cara colada no buraco
Cabeça escondida com um saco
Cheia de medo
Guardava em segredo
Nem se mexia...
E se alguém a via?
Quando a mãe chegava
Ela contava... Contava…Contava…
 Emocionada nunca mais se calava!
A mãe fingindo não perceber, repetia atemorizada:
-Ó filha, andas a sonhar
Que imaginação…
Tu não viste nada!
Deixa lá isso. Anda, vem comer.
Atenção, naquele tempo não havia televisão.
A pequenita confundida.
 Reprimida. Atrapalhada.
 Naquele susto sem saber o que pensar. Não percebia
Ficava calada. Fechada. Sem entender.
Não sabendo porque tinha que mentir
Guardando horrores dentro de si
 Sem sequer poder sair dali
Nem disso poder falar
Desconfortável. Naquele sombrio lugar.
Frio. Vazio. Prisão.
Hoje, lá longe, avó generosa.
Acompanhada. De todos, rodeada. Livre. Feliz
 Sabe que nada foi ilusão...
Consciente ainda diz:
- Todos os dias era igual.
Era mesmo uma emboscada.
Aquele tempo de escuro. Duro e sem pão.
Era assim em Portugal
Tudo o que vi e não esqueço foi verdade!
E a liberdade?
Não existia. Toda a gente sabia.
Então e hoje?
Hoje, ela passeia-se encasacada
Com a mentira e a ilusão 
Na rua 
Abraços. Políticos. Economia.Mordomias. Mão na mão…
E não vale a pena dizer mais nada…

 COIMBRA, 29.11.12
LUCINDA FEREIRA