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domingo, 2 de agosto de 2015

A Casa da Minha Alma

Textos e pretextos


Casa da Minha Alma

fotos net


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I'm Not the Only One
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http://www.smule.com/p/412178002_151912903
 ( a minha neta leonor, 11 anos a cantar)...

  • A Casa da Minha Alma é uma casa ampla. Toda envidraçada, com muitas plantas e muita luz  onde mora a Senhora Dona Música como Rainha, casada com o Senhor Teatro. Sonhavam ter vários filhos. A Pintura….A Literatura…. O Canto… A Poesia… Seriam alguns desses filhos.
  • A Casa da Minha Alma é próxima de um lago e do Mar.Tem muito verde e um lindo jardim à volta. Há sempre flores desabrochando. A Casa da Minha Alma está inserida na Natureza. Mal acordo, o Sol entra sem cerimónias pela casa toda. Os passarinhos fazem ninho nos beirais e nas árvores circundantes.
  • Mas…Essa Casa da Minha Alma nunca se abriu para mim!...
  • Assim passei a vida adiando um sonho, para resolver os problemas dos meus Filhos de carne e osso. Dos meus Pais. Da Família e dos Filhos dos outros!
  • O chamamento da minha alma ficou sem resposta. A porta da Minha Alma nunca se abriu, com muita tristeza para mim!

Em tempo de balanço, tenho saudades da Casa da Minha Alma que apenas vislumbrei em sonhos. Que nunca pude visitar e habitar.

Assim, quando há tempos, a minha Neta Leonor me dizia: “parece que tenho tendência para as Artes, Avó”. Já conta com aprendizagem de seis anos de estudo de Violino. Este ano no Conservatório foi admitida em aulas de Canto. No Teatro, a professora dizia-me que ela era “uma bateria de energia, com um jeito particular para o Teatro ”.
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I'm Not the Only One
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http://www.smule.com/p/412178002_151912903
 ( a Leonor a cantar com 11 anos...)


  • Também meu Neto João Pedro, brilhante nos estudos, foi escolhido pelo Professor para se iniciar no estudo de Violino, o que me enche de uma profunda alegria.

Quem sabe os meus Netos vão habitar a Casa da Minha Alma que tem esperado por mim a vida inteira sem resposta? Oxalá, mesmo que já cá não esteja (...) e apenas as estrelas os contemplem…

  • Depois de uma viagem durante algum tempo que fiz à Holanda, comecei a pintar e fundei um grupo de Pintura, TELARMONIA, que me deu alguns rudimentos técnicos. Abriu horizontes para pessoas minhas conhecidas, homens e mulheres. Algumas pessoas com quem tive de insistir bastante por vezes para experimentarem, têm prosseguido. Descoberto a imensa beleza que desconheciam guardar dentro de si mesmas.

(Aliás, este trabalho de encorajamento e ajuda na auto-descoberta em muitos campos, tem sido o que sempre melhor soube fazer e tenho feito ao longo da vida. Será ainda uma vertente da Arte de Amar? Faço isto com verdadeira entrega e paixão. Não sei fazer nada que não seja com esta força do que sou e carrego em mim, em cada coisa que faço.)

  •  O Canto foi algo que descobri e aperfeiçoei um pouco em apenas algumas aulas particulares.Dedico-me a ele  ainda hoje tanto quanto possível, com alguma satisfação.
  • Quanto a este fogo que vive em mim sobre Música, meus Filhos foram iniciados ambos com cinco anos. Tem sido um bálsamo precioso na vida de um deles, nos momentos mais duros.
  •  Também fundei o Coro dos Pequenos Cantores de Coimbra em 1982, que fez muitas Crianças e Jovens muito felizes. Alguns optaram pela entrega à Música com carreiras brilhantes que têm sido os seus percursos. Os seus projectos de vida.

  • Sobre o Teatro, penso nisto muitas vezes...

Foi ainda na Escola do Ensino Primário que me lembro de um papel que desempenhei em que era um militar que ia para a guerra…
Claro que hoje sei, que com crianças não se faz teatro, mas dramatizações apenas. Naquela altura o que aconteceu, foi importante e marcou-me.
No Colégio, mais tarde, entrei numa peça em que “era” uma velhinha. De tal maneira me entreguei ao desempenho, que ninguém me reconheceu…
Estudei Teatro mais tarde na Universidade de Toulon, em França. As opções dos meus Cursos aqui na Universidade de Coimbra teriam de ser em Arte!
Estudei História do Teatro com o Professor Barata, um apaixonado por esta arte de representar. Mesmo na aula, obrigava-nos para nosso grande gozo, a mostrar o que valíamos na parte prática…

Nos meus tempos livres, apresentei e organizei espectáculos durante quinze anos. Algumas vezes disse textos da minha autoria e outros.
Confesso que estar em palco exerce sobre nós um fascínio tal que ao abandoná-lo, dói muito.
Ser professor e no ensino superior principalmente com adultos, é estar sempre em causa. Em “palco”….


  • A História da Música foi outra descoberta lindíssima. No final, tínhamos que aprofundar um tema na área que mais nos tocasse. Escolhi a Ópera e concretamente, A FLAUTA MÁGICA que jamais deixou de povoar o meu espírito pela sua beleza e ideal. Tenho esse trabalho para publicar um dia destes. Tive uma nota esplêndida. Foi um trabalho que fiz inteira e por amor. Ainda hoje revejo A Flauta Mágica com um prazer sempre novo!  Tudo o que gostava de aprofundar. Praticar, na Música nunca foi possível, como a minha alma  me pedia.

Se voltasse a nascer, queria ser toda da Música e só dela…
foto net


sábado, 1 de agosto de 2015

Viagem por dentro do tempo e do espaço - A Rádio

Textos e pretextos

   


Viagem por dentro do tempo e do espaço - A Rádio



Façamos das antigas memórias
As grandes armas da esperança
E tiremos das doces lembranças
A matéria-prima para novas histórias!
Lucas Ferreira


Quando era bem pequena, lembro me do meu Pai ouvir rádio numa Galena.
Era uma caixinha pequena muito rudimentar, onde só o Pai mexia.

Aquele aparelho fascinava-me.
Quando fui para a Escola Primária, fim dos anos 50, conheci uma menina minha colega e amiga, a Lurdinhas Almeida, filha de um Fiscal do Fundo do Desemprego, que era boazinha. Bem-educada.
Tinha um estatuto diferente das outras meninas, pois o Pai era importante!

Ajudava-a muitas vezes no trabalho de casa e lembro-me de me convidar para ir a sua casa. Já não me recordo se era sempre para a ensinar (como acontecia com uma menina fidalga com muitas dificuldades de aprendizagem que eu ajudava) ou para brincarmos, pois éramos amigas.

A Lurdinhas tinha um penteado muito engraçado. O cabelo bem arrepiado com dois lacinhos que mudavam de cor conforme a roupa que ela vestia, um de cada lado da cabeça, preso por um pedacinho de cabelo. O resto pendia-lhe pelas costas. Andava sempre muito bem arranjada. 

A sua Mãe era afável e simpática.Quando ia lá a casa, fazia chá e dava-me lanche. O Pai tinha um ar severo e falava pouco connosco. A Lurdinhas tinha um irmão, o Armandinho, que raramente se juntava a nós.

Estava tudo muito bem, mas o que me fascinava era que a Lurdinhas tinha um rádio na sala. Um R Á D I O!

Não era muito grande. Era uma caixa castanha. Alta. À frente tinha uma circunferência em baixo, forrada com tecido, por onde saía o som. Existiam ainda dois botões: um para acender e apagar o rádio, outro para procurar a estação.
Fazia bastante ruído quando se rodava o botão. Ouvia-se falar, mas não percebíamos nada, pois eram línguas diferentes da nossa. Como eu adorava perceber o que se dizia…pensava.Um dia hei-de saber…

Estudávamos um pouco. Comíamos e o meu fascínio era pedir à Lurdinhas para irmos ligar o Rádio, coisa que ela fazia.

Era uma delícia. Vinha dali encantada e sonhando com aquela máquina falante.

Mais tarde meu Pai comprou uma grafonola com discos pretos de massa que partiam ao caírem no chão.

Lembro- me que tínhamos uma grande colecção que ainda conservo!
Recordo-me de tudo o que se ouvia.Sempre as mesmas coisas.

A Minha Mãe que cantava muito bem, aprendia as canções e cantava-as depois, o que me dava uma certa alegria ouvir.

Na Escola, ao sábado, tínhamos Lavores. Canto Coral e Ginástica. Já gostava muito de cantar naquele tempo. A minha vida devia ser toda consagrada à Música ... Só não foi , porque...

A Galena por vezes avariava. Era ouvida em segredo, pois a Guarda Republicana podia passar e ouvir aí um programa clandestino, o que seria o cabo dos trabalhos... O Pai podia ser logo preso.
Não esqueçamos que era o tempo da PIDE (Policia Internacional de Defesa do Estado) com seus “bufos” ( os informadores que acusavam e vendiam os amigos por uma bagatela). Tinha um Tio que era o mais culto do lugar, que um dia fora levado e nunca mais ninguém o viu!

Por isso havia um medo terrível destas situações se repetirem.

Quando já andava no Colégio, lembro-me de me terem oferecido um rádio azul, cuja caixa era de plástico. Foi sem dúvida a melhor prenda. Houve outra que também recordo com saudade: uns patins! No dia em que fiz 15 anos!
Adorava patinar. Ainda conservo esses patins com os quais dormi na cama, no dia em que mos ofereceram.

Dos programas de radio, recordo-me de duas coisas. Um programa da Odete de Saint-Maurice  para crianças e dos folhetins radiofónicos interessantíssimos que faziam parar tudo ao fim da tarde para serem escutados e depois discutidos na faina agrícolas.

 Povoavam a o imaginário de toda a gente. 
Por exemplo a “Selva” de Ferreira de Castro tinha um particular encanto.
Também havia o Teatro Tide , uma marca de detergentes que se publicitava assim.
Aquela hora era sagrada. Ainda tenho no ouvido as músicas dos indicativos dos programas preferidos. 

Mais tarde, já não tinha muito tempo para ouvir...
Ia para o Colégio da Rainha Santa Isabel, onde estive durante 8 anos , às oito da manhã e só regressava às 20 h e 30m. Ficava na Sala de Estudo. Levava tudo muito a sério. Adorava estudar.

Era grande a alegria da abertura de aulas.
 A nova bata azul e a golinha branca engomada. Conhecer os professores. As colegas e sobretudo, novas matérias. Aqui hei-de voltar depois.

Os astros.O funcionamento do Universo. A composição química dos produtos. As pedras e a cristalografia encantavam-me!

Mas a paixão sobre a Rádio mantinha-se em fundo…

Quando surgiu a oportunidade de fazer Rádio fiquei feliz!

O meu primeiro programa que mantive durante muito tempo, foi uma programa com Crianças, sobre as actividades que os meninos desenvolviam comigo.

Eles deliravam com esse espaço. Mobilizava as crianças que ficavam eléctricas e até os familiares.

Seguiram- se muitos outros programas, tais como... À noite também acontece Poesia
Um programa sobre Onomástica e Toponímia. .
Coisas e loisas do nosso Povo...
A Poesia na Bíblia, com o saudoso Monsenhor Nunes Pereira
Gestos Simples , promovendo a solidariedade e a inter-ajuda… etc...etc…etc...

Foi um tempo de realização e paixão que me deixou saudades.

Há nomes que recordo com saudade e gratidão, tais como Fernando Pessa, Maria Leonor, Fialho Gouveia, Pinho Simões, Sansão Coelho, José Mário Coelho, Maria João Lopes (actualmente em Lisboa) e uma técnica amorosa e paciente aqui do emissor regional de Coimbra, a Sissi Freire e muitos outros amigos que não consigo enumerar de momento.

Enfim a Rádio comemorando os seus oitenta anos, é uma Amiga que ainda hoje muito amo.

Ouço habitualmente a ANTENA DOIS de que gosto imenso.

Na Antena Um, só suporto os programas de humor e ligados aos Livros. O resto cansa-me um pouco…
 Sempre as mesmas histórias de futebol e de política.
 Sobretudo aborrece-me solenemente o discurso dos representantes dos partidos que não apresentam alternativa alguma e estão com uma  lupa,  acusando os outros…

 Não há pachorra, nem tempo a perder…

Como nota final, digo que nunca vejo televisão, salvo programas de Arte. Viagens.História ou Ciência.Debates com interesse. Detesto as pré-orientações dos canais...

 A RÁDIO oferece um espaço para recrear o discurso. Gosto muito da Rádio, uma paixão antiga!

Nota: Devemos a muitos, o progresso da Rádio. Gratidão e homenagem a alguns deles.
“Os primeiros passos para a descoberta da rádio começaram a ser dados em 1863 quando em Cambridge – Inglaterra, James Clerck Maxwell demonstrou teoricamente a provável existência das ondas electromagnéticas unificando toda a teoria de FaradayLorentzGauss e AmpereOliver Lodge (Inglaterra) e Ernest Branly (França)  Lee de Forest, um americano. o alemão Von Lieben e o americano Armstrong ...em Portugal, Abílio Nunes dos Santos…Américo dos Santos  e muitos outros que nunca esqueceremos…

A este assunto voltarei mais tarde. Desenvolvi programas na FRANCE INTER, no Canadá (também TV), em Macau, no Brasil e noutros países, tal como em Portugal na Antena Um, Radio Clube Português, Rádio Comercial e outras.
Ainda hoje estou disponível para continuar, pois o meu amor é sempre fiel e intenso, agora com uma bagagem mais ampla. Faltam só as oportunidades…
1 de Agosto 2015..... 
Lucinda Ferreira





quarta-feira, 29 de julho de 2015

MULHER

                Textos e Pretextos


MULHER




No cofre que a Mulher é

Que a Mulher tem

O Pai pé ante pé

Com o “tubo de ensaio”

De soslaio ou de mansinho

Vai devagarinho

…Deixa a semente…

Faz da Mulher Mãe!

Estremecida

Guarda no seio a vida

Promessa e dor

Fruto e flor

…Renascida!

29.7.15….Lucinda Ferreira


terça-feira, 28 de julho de 2015

Tese de doutoramento analisou crimes violentos

Tese de doutoramento analisou crimes violentos



Maria João Ferreira Guia distinguida com louvor pela Universidade de Coimbra

Z. M. 
 
Meus Filhos e eu, Lucinda .


Maria João Guia defendeu, na semana passada, a tese de doutoramento na Universidade de Coimbra (UC) em Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI, tendo sido aprovada, por unanimidade, com distinção e louvor.

A nova doutora da UC apresentou a tese “Imigração, ‘Crimigração’ e Crime Violento – Os Reclusos Condenados e as Representações sobre Imigração e Crime”, que resultou de um estudo extenso sobre reclusos portugueses e não nacionais (por grupos de migrantes) condenados por quatro crimes que considerou violentos – homicídio, roubo, violação e ofensa à integridade física.

“Este estudo foi feito a partir da leitura de 116 sentenças de reclusos não nacionais e nacionais e da análise estatística de 8436 entradas de reclusos não nacionais de 2002, 2005, 2008 e 2011”, explica a autora, dando conta de que “o mesmo número de sentenças foi analisado para os portugueses e para cidadãos não nacionais”, para comparativamente procurar encontrar, por um lado, “fundamento em algumas percepções que passam na sociedade portuguesa sobre o facto de os imigrantes terem responsabilidade no suposto aumento do crime violento” e, por outro, “verificar se existiriam discrepâncias na análise dos factos que se traduzissem numa maior condenação de estrangeiros em Portugal”.

Depois deste importante passo, a nível pessoal e académico, Maria João Guia prepara-se agora para se dedicar a novos projectos.

 “Normalmente quando chegamos ao fim da tese de doutoramento é que sentimos que é tempo de começar. Acho que isso acontece com toda a gente. Para mim foi uma angústia encarar isto mas, ao mesmo tempo, é um estímulo para continuar”, sublinha.

E as conclusões que retirou da tese, nomeadamente a questão do impacto dos roubos e a forma como esta questão está – ou não – a ser estudada, deverá ser uma das próximas áreas a abordar.

“Essa é, sem dúvida, uma das áreas que me interessa e possivelmente poderá vir a ser essa que eu vou desenhar para um projecto futuro. Obviamente vou continuar o meu esforço pessoal e académico e vou fazer o melhor possível em prol do conhecimento”, realça.

Filha de Lucinda Ferreira (colaboradora d' O Despertar há vários anos), Maria João Guia tem 43 anos e conta com um vasto currículo.

Com vários livros publicados, é inspectora adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), investigadora associada do Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da UC e professora convidada do Mestrado em Criminologia e da Licenciatura em Direito do ISBB em Coimbra.

 Tem orientando e co-orientando teses de mestrado, doutorandos e pós-doutorandos nas linhas temáticas em que trabalha; dinamiza a rede internacional CINETS – Crimmigration Control International Net of Studies; 

Foi perita externa independente da Comissão Europeia no campo da Segurança, Liberdade e Justiça e membro do grupo de Peritos em Tráfico de Pessoas; e é membro de várias sociedades e projectos de investigação nacionais e internacionais.

Legenda:
Maria João Guia foi aprovada, por unanimidade, com distinção e louvor
 Z.M.
Entrada da Sala dos Capelos

 
M Joao em traje académico de prestaçao de provas

sábado, 25 de julho de 2015

Viagem por dentro do tempo e do espaço. (Apontamento II)

Textos e pretextos


Viagem por dentro do tempo e do espaço. (Apontamento II)



A recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre.





Enquanto fui criança e até ir para o Colégio, vivi com meus Pais, numa casa coberta de flores à beira da estrada “nova”, com se dizia na altura.

Tudo o que havia eram carreiros. Estradinhas térreas muito apertadas. Esburacadas, onde as carroças e os carros de bois se alagavam na lama.

Alguns desconhecidos paravam para fotografar a nossa casa, pela sua beleza e simplicidade.
Ainda conserva o registo número um, na conservatória!

Transformei-a um pouco, mas as flores ainda por lá andam, como não poderia deixar de ser.

O Pátio coberto de glícinias anunciava a Páscoa, altura de estrear uma roupa nova, como era hábito no lugar.
A sebe protectora da casa com um pequeno quintal era protegida por roseiras “picantes”, de um colorido variado e diferentes odores que se misturavam no ar.

Havia uma rolinha que cantava sem parar. Também tivemos uma Pega negra. Inteligente. Desconcertante que andava à solta e que roubava objectos à Mãe.
Tínhamos sempre um lindo gato. Quando estava velhinho ia para longe. Nunca mais voltava. Dizia-se que o gato quando estava velho desaparecia para longe para entregar a vida à terra. Longe da sua casa.

Num lugar sem qualquer distracção que não fosse o trabalho, viver à beira da estrada nova era desejável. Apetecível.

Impressionava toda a gente, a passagem rara de um carro. As pessoas vinham à porta para ver passar a máquina andante.
 A estrada era poeirenta.Tinha muitas covas e no Inverno o chão cheio de água, espirrava quem quer que fosse a passar, à beira da estrada. Não havia passeios, naturalmente. No Verão, o automóvel deixava um rasto de pó. Uma nuvem que se metia nos olhos. Nos pulmões… Sujava as casas da vizinhança. Era uma névoa cerrada durante algum tempo, pairando sobre os caminhos.

Havia uma ladeira à nossa porta. De quando em vez, o carro enguiçava. Paravam e davam a uma manivela para ele pegar e seguir viagem.

O carro azul-escuro, muito alto e com um tejadilho, do Senhor a Artur taxista, um senhor que viera de África, era o que passava mais vezes. O senhor Artur tinha uma grande cicatriz na cara. Participava nos grandes acontecimentos do povo. Era chamado para as  ocasiões especiais. Nos casamentos e baptizados vinha um só carro de aluguer, o único, o do Sr Artur que tinha um estatuto respeitável. Era ele que recebia o dinheirito amealhado com muito suor pelo pessoal do lugar.

De resto, a maioria das pessoas andava de bicicleta. A pé. Muitos tinham os pés cheios de côdeas por andarem sempre descalços.

Mais tarde vieram os ciclomotores. Era um luxo. Só o viveirista tinha uma bicicleta a motor. Fazia muito barulho. Na sua  passagem,deixava um mau cheiro, desagradável que ainda recordo. Era uma vaidade por “épater le bourgeois”,ter aquela bicicleta a motor. Enfim, dar assim nas vistas. O rasto ao passar  era uma fumaraça durante muito tempo.
Vias estreitas. Ladeadas de silvas. Cheias de buracos eram, na maioria, as estradas ao tempo.

Existiam para as cuidar, os cantoneiros, funcionários que vigiavam o arranjo possível das mesmas. Tapavam buracos e roçavam as silvas que cresciam nas margens.

Havia uma vigilância dura. Apertada sobre eles. O chefe dos cantoneiros, ainda com laivos de nobre e que por isso, só podia ser chefe (…), castigava-os severamente. Era muito temido. Respeitado. Passava muito direito.Não “dizia adeus” a ninguém. Sim, porque era hábito, todas as pessoas se saudarem ao passar umas pelas outras, quer fossem conhecidas ou desconhecidas. O chefe só  notava as coisas negativas. A admiração e o elogio pelo bom desempenho não existiam. O severo senhor empertigado poderia dar castigos e até despedir aquelas  pobres gentes. Humildes sem qualquer voz em defesa própria. 

Era criança, mas apercebia-me já destas  atitudes que amedrontavam tudo e todos.

Ser cantoneiro era prestigiante.
Uma honra a que muitos ou quase todos aspiravam. Eram uns senhores, apesar da dureza da vida. Quando iam aos bailes, as raparigas disputavam esses homens, que as poderiam poupar mais tarde, de andar ao sol nas duras faina agrícola.

Tinham um ordenado fixo. Eram funcionários do Estado. Um grande privilégio perante a escassez de recursos num meio pobre.
Usavam uma farda cinzenta semelhante à dos militares. Traziam um grande chapéu de abas largas também cinzento, com as armas do Estado na frente do chapéu.
Eram mesmo uma autoridade que podia “autoar” quem transgredisse no trânsito (…).

Eram menos agressivos. Temíveis. Mais amigáveis do que a Guarda Republicana, cujos membros pareciam escolhidos a dedo, pela sua crueza e rigidez. Era assustador, a Guarda Republicana sempre de espingarda ao ombro, ao passar um de cada lado, à beira da estrada, quando menos se esperava.
Multavam por tudo e por nada .Intervinham em tudo. Intimidavam tudo e todos sem apelo!
As pessoas diziam que nem a roupa queriam semelhante ao “cotim” das suas fardas cinzentas, com riscos verdes num chapéu redondo. Também lhe chamavam à socapa, “feijão-frade”.

Contavam os cantoneiros, o receio que tinham das francesas que na deserta estrada da Beira, os apanhavam para resolver os seus problemas mais urgentes (…)

Viajavam de automóvel duas francesas. Um dia na Fraga, apanharam um cantoneiro e quase o mataram…
Mataram por “amor”!
Obrigaram o cantoneiro a tomar um pó. Depois por gestos convidaram-no. Fizeram ambas sexo com ele, deixando-o derreado. Esgotado. “Quase deram cabo dele”, como usavam dizer por lá.

Daí que os cantoneiros espreitando se o chefe por lá vinha, quando se juntavam, pensando que as crianças nada percebiam, contavam com “respeito”, fazendo-se fortes, os perigos que corriam na mão dessas mulheres.
Na galhofa, mas cheios de medo pelos riscos que correriam, alguns comentavam os efeitos afrodisíacos do pó da cantárida, (talvez o antecedente do Viagra)… e que levou à condenação por assassínio, o Marquês de Sade ao utilizá-lo nas “suas” meninas.

Falavam também do cheiro da cânfora com efeitos contrários à virilidade do homem. Nós, os miúdos, registávamos tudo enquanto eles diziam: ” são miúdos. Não percebem nada do que estamos a dizer”…

Enfim, hoje no emaranhado das nossas muitas autoestradas, não há cantoneiros…

Há assaltantes que atravessam os carros, para matar e roubar. Se fingem mortos pedindo ajuda, para depois realizarem seus intentos.

Sexo? Não necessitam, pois ele abunda aos pontapés…Gratuitamente.

Assim vai a vida…E as  recordações que nunca se apagam…

Vou, mas fico espalhada no vento. Boas Memórias contam mais que presenças. Eu habito no amor de cada um e na espera pelo meu melhor.
  Lucinda Ferreira /25 Julho 2015 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

João, o bem amado!

 Textos e pretextos

João, o bem amado!




A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota. Jean-Paul Sartre




Começou a existir num dia especial. Num dia em que a espiritualidade está viva em muitos corações com preces dirigidas ao Céu .

 A hora também foi importante.Três horas!
 O três tem muito que se lhe diga. Quem percebe do que falo  entende o que quero dizer.

Como nada acontece por acaso, há que estar atento e ler os sinais.

Quase esteve fadado a ir pelo cano de esgoto…

Mesmo como  embrião apercebe-se de tudo que se passa consigo, no ventre materno.
 Não foi fácil a luta pela vida, embora muito pouco pudesse fazer… 
Alguém do Alto quis que vivesse.

Além desta peripécia macabra.Decisiva e arriscada, o perigo continuou.
Nasceu quase morto. Um parto de risco, de uma mãe com bastante idade.
 Sem qualquer tipo de assistência que acabou por ficar paralisada durante três meses.

 Não havia greves. Nem ninguém abria a boca a queixar-se do que quer que fosse ou de quem quer que fosse.Tudo se engolia em silêncio imagino, misturado com lágrimas. Um estoicismo inimaginável nos nossos tempos…

Ele que vê e sabe  todas as coisas e conhece o desconhecido  desde os confins do tempo, sem tempo, impossível de imaginar para os nossos  limites humanos, tinha os seus propósitos.

Aquela mulher-mãe era uma iluminada simples.
Uma criatura de fé sincera. Um ser carismático no meio da arraia-miúda.
Muitas princesas desejariam possuir a sua coragem. O fervor. A sensibilidade e a inteligência de que era detentora.

Desde o momento que percebeu que não havia mais nada a fazer para evitar aquele nascimento, investiu todo o seu melhor com todo amor que pôde para entregar o fruto do seu ventre a Deus.
Outras vezes, tivera que satisfazer contrariada, vontades opostas ao projecto do Criador…

Daí que João, ainda não tinha visto a luz do Sol, já pertencia a um plano transcendente.
Pela protecção amorosa do Universo e pela entrega daquela mulher só, em tão grande empresa, como acabou por ser ao longo do tempo de existência do João necessitado de cuidados e ajuda, como qualquer outro ser humano.

Aberto o caminho, a mãe iniciara-o no diálogo com Ele!

Não ficou por aí.Pequenito ainda, fora levado para a catequese.
João lembra-se de um Senhor muito alegre. Alto.De grandes barbas e olhos muito verdes.Vestido de castanho. Tinha um carapuço que nunca lhe vira na cabeça, mas que caía pelas costas. Soube mais tarde que era franciscano.
Só sabia que esse homem era um amigo carinhoso. Empenhado no que fazia. Tratava cada criança com um esmero difícil de igualar e o João era um desses meninos.Ficou marcado por aquela personalidade inesquecível na sua vida de criança.
Era muito expressivo.Dinâmico e dedicado a tudo que fazia e a todos que atendia, aquele catequista que marcou a vida de tanta gente que teve a sorte de o cruzar.

João diz-nos assim:
-Lembro-me de pensar que gostava de ser como ele. O seu exemplo era contagiante.
Enchia de entusiasmo a criançada pelo que era e pela pedagogia do amor que punha em acção. Incentivava a todos e aos que sabiam sempre as lições, compensava- os com pequenos mimos e elogios. Os que na semana seguinte repetiam a lição como fora explicada, recebiam estampas. Livros  e outras pequenas recordações para estímulo de mais e melhor.

João recorda particularmente dois pontos que o marcaram. Que o fizeram pensar até hoje. Que lhe abriram a compreensão de factos que o intrigavam em certa época da vida.

Uma das situações era o facto de se sentir atraído de um modo particular por um postal que representava a Maria, a Mãe de Jesus, com uma coroa e muitos anjinhos à sua volta.
Essa figura impressionava-o vivamente. Gostava de imaginar o Céu por causa desses anjinhos.João não percebia, como é que eles se mantinham assim sem estarem presos a nada, apenas suspensos nas nuvens fofas de algodão, onde lhe parecia que ninguém mais conseguiria.

Conta-nos que mantém ainda hoje, atracção por essa reprodução de Maria.Sempre que pode faz- se rodear por ela tão bela e importante para si.

Desde pequenito, as imagens impressionavam-no muito. Viu uma vez uma figura num livro, representando um polvo com muitos tentáculos e a imagem da morte, uma mulher feia com um foice. Tinha medo daquele livro. Sempre que lhe mexia, passava rapidamente à frente aquelas figuras que o assustavam.

(Não tinha acesso a outros livros ilustrados para crianças, como hoje abundam por todo o lado e a petizada já nem vê, seduzida por imagens  das televisões  e outros meios audiovisuais que os dispersam e não promovem a concentração.)

Para além destes factos, houve algo muito importante, que só aí pelos cinquenta anos, decifrou. Se lhe fez luz no espírito.
O Senhor alto de vestes castanhas que dava catequese dizia muitas vezes e à frente de todos os outros.

- Ó Joãozito, és formidável! Estás sempre atento. És um menino maravilhoso.Formidável, João!

João diz- nos agora:
- O Catequista não poupava os elogios que me dava.
Eu ficava muito assustado. Não queria que ele me dissesse aquelas coisas, mas não sabia porquê.Não queria mesmo que dissesse aquilo.
Durante parte da minha vida, perguntava-me: Mas por que razão ficava triste quando o grande Senhor das Barbas me elogiava?

A verdade é que mal chegávamos cá fora, vindos da catequese, os outros meninos davam-me pontapés. Atiravam-me pedras. Batiam-me. Eu não podia, nem se sabia defender-me.Tinha muito medo deles…

João diz nos ainda:
-A vida foi avançando. Sinto que Deus sempre me levou pela mão.Nos momentos mais duros, percebi que o conflito terreno é a mola para se avançar para o auto-aperfeiçoamento.
A perfeição não existe.Não pode por isso ser uma meta. A perfeição seja em que campo for, é um estado de exigência terrivelmente castrador.É stress.Angústia e depressão.Algo em que nós, os humanos, com equivoco depositamos expectativas irrealizáveis.
Os que ainda se mantém neste engano querem ser perfeitos. Julgam por isso tudo e todos, como imperfeitos, retirando-lhes todo o valor.

Hoje João percebeu que se tudo fosse perfeito, o homem não podia evoluir. Nem avançar e já que esse é o propósito da existência na Terra, ficava-se truncado.Bloqueado.
Gosto de partilhar com todos, os meus segredos.Diz...
·        Primeiro é que precisamos fazer as pazes com a nossa própria imperfeição.
·        Aceitar que nem nós nem os outros somos perfeitos. Nem temos que ser.
Mas uma coisa é certa e isto é fundamental e muito sério:
·        DEVEMOS SEMPRE FAZER O QUE QUER QUE SEJA, O MELHOR QUE SOUBERMOS:
·        DA MANEIRA MAIS RESPONSÁVEL!

Voltando atrás, João confessa que só com cinquenta anos percebeu que aqueles elogios o tornavam vulnerável à inveja dos inferiores, pois os “garotos só atiram pedras, às árvores com frutos”
Na vida infelizmente, também é assim.

João confessa que tem sido difamado. Mal compreendido. Hostilizado. Maltratado. Humilhado.
Agora, pouco importa se tudo já foi descodificado por ele…
Faz como Sebastião da Gama:
“Tens muito que fazer? Não. Tenho muito que amar!”
E o resto, palavras leva-as o vento.

E na verdade, confirmo o que nos conta João.

É como disse minha filha, Professora Doutora Maria João, num dos seus discursos de doutoramento em Direito.Justiça e Cidadania, em que foi aprovada com Distinção e Louvor por unanimidade:

”Um homem que é homem e uma mulher que é mulher, sabe o que lhe é devido por direito”!
Lucinda Ferreira 
17.7.15
Uma pintura da minha autoria