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sexta-feira, 17 de julho de 2015

João, o bem amado!

 Textos e pretextos

João, o bem amado!




A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota. Jean-Paul Sartre




Começou a existir num dia especial. Num dia em que a espiritualidade está viva em muitos corações com preces dirigidas ao Céu .

 A hora também foi importante.Três horas!
 O três tem muito que se lhe diga. Quem percebe do que falo  entende o que quero dizer.

Como nada acontece por acaso, há que estar atento e ler os sinais.

Quase esteve fadado a ir pelo cano de esgoto…

Mesmo como  embrião apercebe-se de tudo que se passa consigo, no ventre materno.
 Não foi fácil a luta pela vida, embora muito pouco pudesse fazer… 
Alguém do Alto quis que vivesse.

Além desta peripécia macabra.Decisiva e arriscada, o perigo continuou.
Nasceu quase morto. Um parto de risco, de uma mãe com bastante idade.
 Sem qualquer tipo de assistência que acabou por ficar paralisada durante três meses.

 Não havia greves. Nem ninguém abria a boca a queixar-se do que quer que fosse ou de quem quer que fosse.Tudo se engolia em silêncio imagino, misturado com lágrimas. Um estoicismo inimaginável nos nossos tempos…

Ele que vê e sabe  todas as coisas e conhece o desconhecido  desde os confins do tempo, sem tempo, impossível de imaginar para os nossos  limites humanos, tinha os seus propósitos.

Aquela mulher-mãe era uma iluminada simples.
Uma criatura de fé sincera. Um ser carismático no meio da arraia-miúda.
Muitas princesas desejariam possuir a sua coragem. O fervor. A sensibilidade e a inteligência de que era detentora.

Desde o momento que percebeu que não havia mais nada a fazer para evitar aquele nascimento, investiu todo o seu melhor com todo amor que pôde para entregar o fruto do seu ventre a Deus.
Outras vezes, tivera que satisfazer contrariada, vontades opostas ao projecto do Criador…

Daí que João, ainda não tinha visto a luz do Sol, já pertencia a um plano transcendente.
Pela protecção amorosa do Universo e pela entrega daquela mulher só, em tão grande empresa, como acabou por ser ao longo do tempo de existência do João necessitado de cuidados e ajuda, como qualquer outro ser humano.

Aberto o caminho, a mãe iniciara-o no diálogo com Ele!

Não ficou por aí.Pequenito ainda, fora levado para a catequese.
João lembra-se de um Senhor muito alegre. Alto.De grandes barbas e olhos muito verdes.Vestido de castanho. Tinha um carapuço que nunca lhe vira na cabeça, mas que caía pelas costas. Soube mais tarde que era franciscano.
Só sabia que esse homem era um amigo carinhoso. Empenhado no que fazia. Tratava cada criança com um esmero difícil de igualar e o João era um desses meninos.Ficou marcado por aquela personalidade inesquecível na sua vida de criança.
Era muito expressivo.Dinâmico e dedicado a tudo que fazia e a todos que atendia, aquele catequista que marcou a vida de tanta gente que teve a sorte de o cruzar.

João diz-nos assim:
-Lembro-me de pensar que gostava de ser como ele. O seu exemplo era contagiante.
Enchia de entusiasmo a criançada pelo que era e pela pedagogia do amor que punha em acção. Incentivava a todos e aos que sabiam sempre as lições, compensava- os com pequenos mimos e elogios. Os que na semana seguinte repetiam a lição como fora explicada, recebiam estampas. Livros  e outras pequenas recordações para estímulo de mais e melhor.

João recorda particularmente dois pontos que o marcaram. Que o fizeram pensar até hoje. Que lhe abriram a compreensão de factos que o intrigavam em certa época da vida.

Uma das situações era o facto de se sentir atraído de um modo particular por um postal que representava a Maria, a Mãe de Jesus, com uma coroa e muitos anjinhos à sua volta.
Essa figura impressionava-o vivamente. Gostava de imaginar o Céu por causa desses anjinhos.João não percebia, como é que eles se mantinham assim sem estarem presos a nada, apenas suspensos nas nuvens fofas de algodão, onde lhe parecia que ninguém mais conseguiria.

Conta-nos que mantém ainda hoje, atracção por essa reprodução de Maria.Sempre que pode faz- se rodear por ela tão bela e importante para si.

Desde pequenito, as imagens impressionavam-no muito. Viu uma vez uma figura num livro, representando um polvo com muitos tentáculos e a imagem da morte, uma mulher feia com um foice. Tinha medo daquele livro. Sempre que lhe mexia, passava rapidamente à frente aquelas figuras que o assustavam.

(Não tinha acesso a outros livros ilustrados para crianças, como hoje abundam por todo o lado e a petizada já nem vê, seduzida por imagens  das televisões  e outros meios audiovisuais que os dispersam e não promovem a concentração.)

Para além destes factos, houve algo muito importante, que só aí pelos cinquenta anos, decifrou. Se lhe fez luz no espírito.
O Senhor alto de vestes castanhas que dava catequese dizia muitas vezes e à frente de todos os outros.

- Ó Joãozito, és formidável! Estás sempre atento. És um menino maravilhoso.Formidável, João!

João diz- nos agora:
- O Catequista não poupava os elogios que me dava.
Eu ficava muito assustado. Não queria que ele me dissesse aquelas coisas, mas não sabia porquê.Não queria mesmo que dissesse aquilo.
Durante parte da minha vida, perguntava-me: Mas por que razão ficava triste quando o grande Senhor das Barbas me elogiava?

A verdade é que mal chegávamos cá fora, vindos da catequese, os outros meninos davam-me pontapés. Atiravam-me pedras. Batiam-me. Eu não podia, nem se sabia defender-me.Tinha muito medo deles…

João diz nos ainda:
-A vida foi avançando. Sinto que Deus sempre me levou pela mão.Nos momentos mais duros, percebi que o conflito terreno é a mola para se avançar para o auto-aperfeiçoamento.
A perfeição não existe.Não pode por isso ser uma meta. A perfeição seja em que campo for, é um estado de exigência terrivelmente castrador.É stress.Angústia e depressão.Algo em que nós, os humanos, com equivoco depositamos expectativas irrealizáveis.
Os que ainda se mantém neste engano querem ser perfeitos. Julgam por isso tudo e todos, como imperfeitos, retirando-lhes todo o valor.

Hoje João percebeu que se tudo fosse perfeito, o homem não podia evoluir. Nem avançar e já que esse é o propósito da existência na Terra, ficava-se truncado.Bloqueado.
Gosto de partilhar com todos, os meus segredos.Diz...
·        Primeiro é que precisamos fazer as pazes com a nossa própria imperfeição.
·        Aceitar que nem nós nem os outros somos perfeitos. Nem temos que ser.
Mas uma coisa é certa e isto é fundamental e muito sério:
·        DEVEMOS SEMPRE FAZER O QUE QUER QUE SEJA, O MELHOR QUE SOUBERMOS:
·        DA MANEIRA MAIS RESPONSÁVEL!

Voltando atrás, João confessa que só com cinquenta anos percebeu que aqueles elogios o tornavam vulnerável à inveja dos inferiores, pois os “garotos só atiram pedras, às árvores com frutos”
Na vida infelizmente, também é assim.

João confessa que tem sido difamado. Mal compreendido. Hostilizado. Maltratado. Humilhado.
Agora, pouco importa se tudo já foi descodificado por ele…
Faz como Sebastião da Gama:
“Tens muito que fazer? Não. Tenho muito que amar!”
E o resto, palavras leva-as o vento.

E na verdade, confirmo o que nos conta João.

É como disse minha filha, Professora Doutora Maria João, num dos seus discursos de doutoramento em Direito.Justiça e Cidadania, em que foi aprovada com Distinção e Louvor por unanimidade:

”Um homem que é homem e uma mulher que é mulher, sabe o que lhe é devido por direito”!
Lucinda Ferreira 
17.7.15
Uma pintura da minha autoria

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