Textos e pretextos
João, o bem amado!
A violência, seja qual for a maneira como
ela se manifesta, é sempre uma derrota. Jean-Paul Sartre
Começou a
existir num dia especial. Num dia em que a espiritualidade está viva em muitos
corações com preces dirigidas ao Céu .
A hora também foi importante.Três horas!
O três tem muito que se lhe diga. Quem percebe
do que falo entende o que quero dizer.
Como nada
acontece por acaso, há que estar atento e ler os sinais.
Quase esteve
fadado a ir pelo cano de esgoto…
Mesmo como embrião apercebe-se de tudo que se passa consigo,
no ventre materno.
Não foi fácil a luta pela vida, embora muito
pouco pudesse fazer…
Alguém do Alto quis que vivesse.
Além desta peripécia macabra.Decisiva e arriscada, o perigo
continuou.
Nasceu quase morto. Um parto de risco, de uma mãe com bastante idade.
Sem qualquer tipo de assistência que acabou por ficar paralisada durante três
meses.
Não havia greves. Nem
ninguém abria a boca a queixar-se do que quer que fosse ou de quem quer que
fosse.Tudo se engolia em silêncio imagino, misturado com lágrimas. Um estoicismo
inimaginável nos nossos tempos…
Ele que vê e
sabe todas as coisas e conhece o
desconhecido desde os confins do tempo,
sem tempo, impossível de imaginar para os nossos limites humanos, tinha os seus propósitos.
Aquela mulher-mãe era uma iluminada simples.
Uma criatura de
fé sincera. Um ser carismático no meio da arraia-miúda.
Muitas princesas desejariam
possuir a sua coragem. O fervor. A sensibilidade e a inteligência de que era
detentora.
Desde o
momento que percebeu que não havia mais nada a fazer para evitar aquele
nascimento, investiu todo o seu melhor com todo amor que pôde para entregar o
fruto do seu ventre a Deus.
Outras vezes, tivera que satisfazer contrariada, vontades
opostas ao projecto do Criador…
Daí que João, ainda não tinha visto a luz do Sol, já
pertencia a um plano transcendente.
Pela protecção amorosa do Universo e pela
entrega daquela mulher só, em tão grande empresa, como acabou por ser ao longo
do tempo de existência do João necessitado de cuidados e ajuda, como qualquer outro ser humano.
Aberto o
caminho, a mãe iniciara-o no diálogo com Ele!
Não ficou por aí.Pequenito ainda, fora levado para a
catequese.
João lembra-se de um Senhor muito alegre. Alto.De grandes
barbas e olhos muito verdes.Vestido de castanho. Tinha um carapuço que nunca
lhe vira na cabeça, mas que caía pelas costas. Soube mais tarde que era
franciscano.
Só sabia que
esse homem era um amigo carinhoso. Empenhado no que fazia. Tratava cada criança
com um esmero difícil de igualar e o João era um desses meninos.Ficou marcado
por aquela personalidade inesquecível na sua vida de criança.
Era muito
expressivo.Dinâmico e dedicado a tudo que fazia e a todos que atendia, aquele catequista que marcou a vida
de tanta gente que teve a sorte de o cruzar.
João diz-nos
assim:
-Lembro-me de pensar que gostava de ser como ele. O seu exemplo
era contagiante.
Enchia de entusiasmo a criançada pelo que era e pela
pedagogia do amor que punha em acção. Incentivava a todos e aos que sabiam
sempre as lições, compensava- os com pequenos mimos e elogios. Os que na semana
seguinte repetiam a lição como fora explicada, recebiam estampas. Livros e outras pequenas recordações para estímulo
de mais e melhor.
João recorda particularmente dois pontos que o marcaram. Que
o fizeram pensar até hoje. Que lhe abriram a compreensão de factos que o
intrigavam em certa época da vida.
Uma das situações era o facto de se sentir atraído de um modo
particular por um postal que representava a Maria, a Mãe de Jesus, com uma
coroa e muitos anjinhos à sua volta.
Essa figura impressionava-o vivamente. Gostava de imaginar o
Céu por causa desses anjinhos.João não percebia, como é que eles se mantinham
assim sem estarem presos a nada, apenas suspensos nas nuvens fofas de algodão,
onde lhe parecia que ninguém mais conseguiria.
Conta-nos que mantém ainda hoje, atracção por essa reprodução
de Maria.Sempre que pode faz- se rodear por ela tão bela e importante para si.
Desde pequenito, as imagens impressionavam-no muito. Viu uma
vez uma figura num livro, representando um polvo com muitos tentáculos e a
imagem da morte, uma mulher feia com um foice. Tinha medo daquele livro. Sempre
que lhe mexia, passava rapidamente à frente aquelas figuras que o assustavam.
(Não tinha acesso a outros livros ilustrados para crianças,
como hoje abundam por todo o lado e a petizada já nem vê, seduzida por imagens das televisões
e outros meios audiovisuais que os dispersam e não promovem a concentração.)
Para além destes factos, houve algo muito importante, que só
aí pelos cinquenta anos, decifrou. Se lhe fez luz no espírito.
O Senhor alto de vestes castanhas que dava catequese dizia muitas
vezes e à frente de todos os outros.
- Ó Joãozito, és formidável! Estás sempre atento. És um
menino maravilhoso.Formidável, João!
João diz- nos agora:
- O Catequista não poupava os elogios que me dava.
Eu ficava
muito assustado. Não queria que ele me dissesse aquelas coisas, mas não sabia
porquê.Não queria mesmo que dissesse aquilo.
Durante parte da minha vida,
perguntava-me: Mas por que razão ficava triste quando o grande Senhor das Barbas
me elogiava?
A verdade é que mal chegávamos cá fora, vindos da catequese,
os outros meninos davam-me pontapés. Atiravam-me pedras. Batiam-me. Eu não
podia, nem se sabia defender-me.Tinha muito medo deles…
João diz nos ainda:
-A vida foi avançando. Sinto que Deus sempre me levou pela
mão.Nos momentos mais duros, percebi que o conflito terreno é a mola para se
avançar para o auto-aperfeiçoamento.
A perfeição não existe.Não pode por isso ser uma meta. A
perfeição seja em que campo for, é um estado de exigência terrivelmente castrador.É stress.Angústia e depressão.Algo em que nós, os humanos, com equivoco depositamos expectativas irrealizáveis.
Os que ainda se mantém neste engano querem ser perfeitos.
Julgam por isso tudo e todos, como imperfeitos, retirando-lhes todo o valor.
Hoje João percebeu que se tudo fosse perfeito, o homem não
podia evoluir. Nem avançar e já que esse é o propósito da existência na Terra,
ficava-se truncado.Bloqueado.
Gosto de partilhar com todos, os meus
segredos.Diz...
·
Primeiro
é que precisamos fazer as pazes com a nossa própria imperfeição.
·
Aceitar
que nem nós nem os outros somos perfeitos. Nem temos que ser.
Mas uma coisa é certa e isto é fundamental e muito sério:
·
DEVEMOS
SEMPRE FAZER O QUE QUER QUE SEJA, O MELHOR QUE SOUBERMOS:
·
DA
MANEIRA MAIS RESPONSÁVEL!
Voltando
atrás, João confessa que só com cinquenta anos percebeu que aqueles elogios o
tornavam vulnerável à inveja dos inferiores, pois os “garotos só atiram pedras,
às árvores com frutos”
Na vida
infelizmente, também é assim.
João
confessa que tem sido difamado. Mal compreendido. Hostilizado. Maltratado. Humilhado.
Agora,
pouco importa se tudo já foi descodificado por ele…
Faz
como Sebastião da Gama:
“Tens
muito que fazer? Não. Tenho muito que amar!”
E o
resto, palavras leva-as o vento.
E na verdade, confirmo o que nos conta João.
É como
disse minha filha, Professora Doutora Maria
João, num dos seus discursos de doutoramento
em Direito.Justiça e Cidadania, em
que foi aprovada com Distinção e Louvor
por unanimidade:
”Um homem
que é homem e uma mulher que é mulher, sabe o que lhe é devido por direito”!
Lucinda Ferreira
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