Como eu te amei…
Não se pode ensinar nada a um
homem; só é possível ajudá-lo a encontrar a coisa dentro de si.Galileu Galilei
Fazer ou apegar se a algo, porque se
gosta muito, é sempre algo ligado ao ego.
Amar qualquer situação, pessoa, trabalho
ou o que quer que seja, é porque se pensa em primeiro lugar no outro, antes da
nossa satisfação pessoal.
Foi isso que aconteceu na vida da maioria
de todos nós, numa época em que havia trabalho sério e válido, para quem queria
trabalhar.
Gostava de ser médica, mas aos 10 anos, quase
ia pisando a massa encefálica de um menino que eu amava muito. Foi morto num
acidente.
Mudou toda a minha vida, embora mais
tarde, ainda insistisse e me inscrevi em Medicina. Abandonei em seguida, pelo
que me doía tudo aquilo.
Dediquei
me à Pedagogia e a muitos outros campos de interesses diversos, privilegiando,
depois da Pedagogia, a Psicologia , a Comunicação e as Artes!
Como ninguém ensina nada a ninguém, mas
desperta no outro o desejo de aprender, o segredo da motivação é a relação mútua
do mestre com o discípulo.
Conhecimento. Metodologias, ampliadas
pela vocação e o amor pelo outro, desembocam sem dúvida alguma, na Pedagogia do
Sucesso.
- Ò professora quer que a ajude a levar
o material? – dizia o Zézé que todos os dias espreitava as novidades que eu
preparava com paixão, e me vinha esperar ao portão.
- Ó professora, já viu a minha camisola
nova? Veja este emblema, dizia me um menino muito bem nascido, mas que carecia
de amor e atenção, pois os pais eram muito ocupados , por cargos muito
absorventes.
...E logo dentro do livro de ponto, mal
chegava à aula, lá estava um bilhetinho
de amor com coisas tão simples, como
esta:
-”Hoje fiz o trabalho de casa, embora tivesse levado uma chapada do meu pai,
por estar a ler, e isso ser uma perda de tempo, disse o meu pai”. Mas eu não quero
que a minha amiga professora fique triste, porque gosto dela.(…)-.
E quando passados 40 anos, estou no
estacionamento do Shopping e um Senhor
elegante e simpático se dirige
para mim e me ajuda com gentileza, acrescentando, enquanto sorria feliz:
-Já não se lembra de mim?
-Tenho uma ideia, sim.
- Ainda ontem, falei da minha professora
de Francês, mostrando a meu filho, um livro que me ofereceu com uma dedicatória
que lembro sempre, incentivando - me. Dando-me coragem para hoje ser quem sou!
- Olha que bom, Pedro!
- E num Natal, passados tantos anos,
recebi um postal da delicada e frágil Dora que me dizia:”Todo o amor semeado,
cedo ou tarde florescerá”.
Só é possível ensinar uma criança a amar, amando-a.Johann Goethe
E muitas outras recordações que guardo
como relíquias.
Tanta lembrança, como um tesouro, mas o
que mais me toca, são as confidências dos jovens mais velhos, e o brilho do
olhar dos jovens , como o Cruz, sempre que escrevia um poema e eu lhe dizia:
- Olha, que lindo! Foste tu sozinho que
inventaste?
- Sim, professora!- respondia com segurança e satisfeito.
E brilhavam seus olhos, como estrelas
cintilantes, pois o que sempre ouvia :
- “És um burro”, “Não serves para nada”. “Não hás-de ir longe”.
Ninguém se dera ao cuidado de descobrir
o seu dom. A sua sensibilidade. A sua arte.
Não sabe o mal que faz , quem causa esses traumas.
Memórias arquivadas no inconsciente como uma ferida aberta a sangrar toda a
vida, os estragos que nas almas desses indefesos jovens, a ignorância de progenitores
( sem culpa , porque também sofreram o mesmo, muitas vezes) ou professores desencantados
com a sua arte e revoltados, o mal que causam para toda a vida, nesses seres
humanos que caminham cheios de complexos, em assumirem o grande valor que cada
um de nós carrega no seu ser mais recôndito.
E todos temos um dom, ou mais
dons, lembre-se sempre disso!
Hoje, as saudades daqueles com quem me
cruzei, povoarão sempre meus sonhos até ao fim!
Eu vivia com naturalidade a Pedagogia do
Sucesso, pois nunca negava elogios merecidos.
Não perdia a oportunidade para incentivar.
Entusiasmar.
Destacar.
Observar, com o amor e atenção, os méritos de cada
estudante, com um rio de capacidades adormecidas, sem eles saberem, dentro de
si.
Esse é sempre o processo eterno de
aprendizagem.
Ainda hoje, o que mais alegra e para o que
tenho mais jeito, é despertar no outro, o seu poder e capacidades. Saber como é
lindo. Válido. Inteligente. Dotado. Tudo…
E
como essa força irrompia.
Crescia.
Se manifestava e multiplicava, quando era
valorizada!
Lembra-o, com satisfação e êxito, quem viveu esse processo.
Aprender a ter confiança em si mesmo.
Saber que é amado e valorizado no seu empenho, estimulava o interesse.
O
esforço consentido, que produzia milagres, sobretudo numa criança mal amada. De
aluno sofrível tornava-se brilhante!
Isso tem que ser comemorado a vida
inteira por quem o vivenciou, e por quem assistiu a esse desabrochar tão compensador.
E se algum cansaço me quebrou, pois a profissão
é exigente. Desgastante em muitos sentidos, o amor que senti, ao dar e receber,
foi de longe compensador!
Que o digam todos aqueles jovens a quem dediquei
o melhor da minha vida…
Trabalhar com adultos (formação de
professores, docente na Faculdade de Letras), foi uma experiência diferente muito
enriquecedora, que me trouxe outros sabores, dentro de novos contextos…

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Lucinda Ferreira
Coimbra, 14 de Junho de 2019