Textos e pretextos
Viagem por dentro do tempo e do espaço - A Rádio
Façamos das antigas memórias
As grandes armas da esperança
E tiremos das doces lembranças
A matéria-prima para novas histórias!Lucas Ferreira
As grandes armas da esperança
E tiremos das doces lembranças
A matéria-prima para novas histórias!Lucas Ferreira
Quando era bem pequena, lembro me do meu Pai ouvir rádio
numa Galena.
Era uma caixinha pequena muito rudimentar, onde só o Pai mexia.
Aquele aparelho fascinava-me.
Quando fui para a Escola Primária, fim dos anos 50, conheci uma
menina minha colega e amiga, a Lurdinhas Almeida, filha de um Fiscal do Fundo do Desemprego, que era boazinha. Bem-educada.
Tinha um estatuto diferente das outras meninas, pois o Pai
era importante!
Ajudava-a muitas vezes no trabalho de casa e lembro-me de me
convidar para ir a sua casa. Já não me recordo se era sempre para
a ensinar (como acontecia com uma menina fidalga com muitas dificuldades de
aprendizagem que eu ajudava) ou para brincarmos, pois éramos amigas.
A Lurdinhas tinha um penteado muito engraçado. O cabelo bem
arrepiado com dois lacinhos que mudavam de cor conforme a roupa que ela vestia, um de cada lado da cabeça, preso por um pedacinho
de cabelo. O resto pendia-lhe pelas costas. Andava sempre muito bem arranjada.
A sua Mãe era afável e simpática.Quando ia lá a casa, fazia chá e dava-me
lanche. O Pai tinha um ar severo e falava pouco connosco. A Lurdinhas tinha um
irmão, o Armandinho, que raramente se juntava a nós.
Estava tudo muito bem, mas o que me fascinava era que a
Lurdinhas tinha um rádio na sala. Um R Á D I O!
Não era muito grande. Era uma caixa castanha. Alta. À frente
tinha uma circunferência em baixo, forrada com tecido, por onde saía o som. Existiam
ainda dois botões: um para acender e apagar o rádio, outro para procurar a
estação.
Fazia bastante ruído quando se rodava o botão. Ouvia-se
falar, mas não percebíamos nada, pois eram línguas diferentes da nossa. Como eu
adorava perceber o que se dizia…pensava.Um dia hei-de saber…
Estudávamos um pouco. Comíamos e o meu fascínio era pedir à
Lurdinhas para irmos ligar o Rádio, coisa que ela fazia.
Era uma delícia. Vinha dali encantada e sonhando com aquela
máquina falante.
Mais tarde meu Pai comprou uma grafonola com discos pretos
de massa que partiam ao caírem no chão.
Lembro- me que tínhamos uma grande colecção que ainda
conservo!
Recordo-me de tudo o que se ouvia.Sempre as mesmas coisas.
A Minha Mãe que cantava muito bem, aprendia as canções e cantava-as
depois, o que me dava uma certa alegria ouvir.
Na Escola, ao sábado, tínhamos Lavores. Canto Coral e
Ginástica. Já gostava muito de cantar naquele tempo. A minha vida devia ser toda consagrada à Música ... Só não foi , porque...
A Galena por vezes avariava. Era ouvida em segredo, pois a Guarda
Republicana podia passar e ouvir aí um programa clandestino, o que seria o
cabo dos trabalhos... O Pai podia ser logo preso.
Não esqueçamos que era o tempo da PIDE (Policia
Internacional de Defesa do Estado) com seus “bufos” ( os informadores que
acusavam e vendiam os amigos por uma bagatela). Tinha um Tio que era o mais
culto do lugar, que um dia fora levado e nunca mais ninguém o viu!
Por isso havia um medo terrível destas situações se repetirem.
Quando já andava no Colégio, lembro-me de me terem oferecido
um rádio azul, cuja caixa era de plástico. Foi sem dúvida a melhor prenda.
Houve outra que também recordo com saudade: uns patins! No dia em que fiz 15
anos!
Adorava patinar. Ainda conservo esses patins com os quais
dormi na cama, no dia em que mos ofereceram.
Dos programas de radio, recordo-me de duas coisas. Um
programa da Odete de Saint-Maurice para crianças e dos folhetins radiofónicos interessantíssimos que faziam parar tudo ao fim da tarde para serem escutados e
depois discutidos na faina agrícolas.
Povoavam a o imaginário de toda a
gente.
Por exemplo a “Selva” de Ferreira de Castro tinha um particular
encanto.
Também havia o Teatro Tide , uma marca de detergentes que se publicitava
assim.
Aquela hora era sagrada. Ainda tenho no ouvido as músicas dos
indicativos dos programas preferidos.
Mais tarde, já não tinha muito tempo para ouvir...
Ia para o Colégio da Rainha Santa Isabel, onde estive durante 8 anos , às oito da manhã e só regressava às 20 h e 30m. Ficava na Sala
de Estudo. Levava tudo muito a sério. Adorava estudar.
Era grande a alegria da abertura de aulas.
A nova bata azul
e a golinha branca engomada. Conhecer os professores. As colegas e sobretudo, novas matérias. Aqui hei-de voltar depois.
Os astros.O funcionamento do Universo. A composição química
dos produtos. As pedras e a cristalografia encantavam-me!
Mas a paixão sobre a Rádio mantinha-se em fundo…
Quando surgiu a oportunidade de fazer Rádio fiquei feliz!
O meu primeiro programa que mantive durante muito tempo, foi
uma programa com Crianças, sobre as actividades que os meninos desenvolviam comigo.
Eles deliravam com esse espaço. Mobilizava as crianças que ficavam eléctricas
e até os familiares.
Seguiram- se muitos outros programas, tais como... À
noite também acontece Poesia…
Um programa sobre Onomástica e Toponímia. .
Coisas e loisas do nosso Povo...
A Poesia na Bíblia, com o saudoso Monsenhor Nunes Pereira
Gestos Simples , promovendo a solidariedade e a
inter-ajuda… etc...etc…etc...
Foi um tempo de realização e paixão que me deixou saudades.
Há nomes que recordo com saudade e gratidão, tais como
Fernando Pessa, Maria Leonor, Fialho Gouveia, Pinho Simões, Sansão Coelho, José
Mário Coelho, Maria João Lopes (actualmente em Lisboa) e uma técnica amorosa e
paciente aqui do emissor regional de Coimbra, a Sissi Freire e muitos outros
amigos que não consigo enumerar de momento.
Enfim a Rádio comemorando os seus oitenta anos, é uma Amiga
que ainda hoje muito amo.
Ouço habitualmente a ANTENA DOIS de que gosto imenso.
Na Antena Um, só suporto os programas de humor e ligados aos
Livros. O resto cansa-me um pouco…
Sempre as mesmas histórias de futebol e de
política.
Sobretudo aborrece-me solenemente o discurso dos representantes dos partidos que não
apresentam alternativa alguma e estão com uma lupa, acusando os outros…
Não há pachorra, nem tempo
a perder…
Como nota final, digo que nunca vejo televisão, salvo
programas de Arte. Viagens.História ou Ciência.Debates com interesse. Detesto
as pré-orientações dos canais...
A RÁDIO oferece um
espaço para recrear o discurso. Gosto muito da Rádio, uma paixão antiga!
Nota: Devemos a muitos, o progresso da Rádio. Gratidão e
homenagem a alguns deles.
“Os primeiros passos para a
descoberta da rádio começaram a ser dados em 1863 quando em
Cambridge – Inglaterra, James Clerck Maxwell demonstrou teoricamente a provável existência das ondas electromagnéticas unificando
toda a teoria de Faraday, Lorentz, Gauss e Ampere…Oliver Lodge (Inglaterra) e Ernest Branly (França) Lee de Forest, um
americano. o alemão Von Lieben e o americano Armstrong ...em
Portugal, Abílio Nunes dos Santos…Américo
dos Santos e muitos outros que nunca
esqueceremos…
A este assunto voltarei mais tarde. Desenvolvi programas na
FRANCE INTER, no Canadá (também TV), em Macau, no Brasil e noutros países, tal
como em Portugal na Antena Um, Radio Clube Português, Rádio Comercial e outras.
Ainda hoje estou disponível para continuar, pois o meu amor
é sempre fiel e intenso, agora com uma bagagem mais ampla. Faltam só as
oportunidades…
1 de Agosto 2015.....
Lucinda Ferreira
Saudosa, Lucy, esta evocação da rádio d'outrora, hoje, que os meninos andam sempre de auscultadores no ouvido, mas não sabem, se calhar, muito do que poderiam escutar. A galena, a grande caixa alimentada por uma grande bateria, para se ouvir, por exemplo, o Teatro Tide (creio que era assim que se chamava)... todo esse longo percurso até à sensacional descoberta do transístor! Já não faço rádio há bastante tempo, esta semana tive uns espaços na RTP 2 - que voltarei a ter na próxima, por volta do meio-dia e meia, na série Escrito na Pedra - e verifico como é deveras cativante todo esse mundo. Um grande beijinho, Lucy!
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