Relance – Gente da minha vida
– O Sr. Zé Rato
Vocês riem de mim por eu ser
diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais.Bob
Marley
Morava na Terra de Ordem.
Um lugar escondido entre pinhais, coisa que infelizmente já não existe. O
progresso desventrou todos os lugares de silêncio e natureza...
Era uma personagem destemida.
Dava uns passos muito largos e desajeitados. Usava umas tamancas que eram uma
espécie de botas, mas tinham o rasto de pau, bem grosso. Andava sempre feliz e bem-disposta.
Eufórico, pois sentia que era alguém super importante! Tinha a ideia que era o
Presidente de todas as associações importantes locais. Ia repetindo:
- Eu sou o Presidente da Câmara! Comandante da
Guarda Republicana! Presidente do Rancho! Presidente do Grémio! Presidente do
Hospital! Eu sou o Presidente de tudo!
A alegria do cargo de ser presidente,
dava-lhe força para viver. Era essa ilusão que o tornava diferente!
Era conhecido pelo Zé
Rato.
Estava sempre preocupado
com o bem-estar das populações.
Quando o cruzavam, choviam pedidos de ajuda.
Não havia luz eléctrica
nas casas, muito menos na rua!
Nas noite de luar, era
uma maravilha vir à rua, enquanto ralos, grilos e outros animais da noite,
traziam no ar a magia dos sons harmoniosos. Pacificadores.
Não havia os mortíferos pesticidas
que hoje dizima passarinhos e todos os outros pobres bichos indefesos e tornam o Planeta Terra triste.
Quando a luz do sol se escondia, nos casebres,
tremeluzia a luz da candeia, esgueirada pelas frinchas ou pelo estreito janelo
da cozinha, enquanto a fogueira na lareira térrea, ardia no chão, alimentada
com pinhas e gravetos, apanhados nos pinhais dos vizinhos, que não se importavam,
nem tomavam como abuso.
Na panela quase vazia,
fervia o caldo que se comia com boroa e meia sardinha, para cada um dos oito e
mais filhos, sentados num tosco banco de pau, à volta das panelas pretas e desgastadas.
Nas casas mais ricas, já
havia o candeeiro a petróleo. Era preciso lavar a frágil chaminé todos os dias.
Ter o cuidado de encher de petróleo o candeeiro. Se o sol se escondia, sem
fazer essa tarefa, ficava difícil.
Mais tarde, o candeeiro a
petróleo chegou aos mais pobres. Os outros, entretanto, já tinham os gasómetro
de uma luz vivíssima, mas com cheiro a carboneto. A seguir veio o petromax, o
que era um luxo!
Então quando o Zé Rato
passava, as pessoas bombardeavam-no, com pedidos: Ele a todos ouvia e
respondia com toda a seriedade e sua convicção de homem poderoso!
Era pródigo em promessas,
a quem lhe solicitava ajuda…As pessoas riam, mas no fundo, ele ia alimentando a esperança
daquelas pobres gentes.
Nisso, ele antecipava-se
ao comportamento dos políticos visionários ou premeditados mafiosos, de todos os tempos. Tinha sempre uma solução
para os casos mais difíceis.
“- Então Zé, quando é que
trazes a luz, cá para terra?”
- “Já estou a tratar
disso”. Respondia convicto, optimista.
- Então e água
canalizada, Zé? Ainda ontem, a Ti Ana caiu no poço. Foi uma aflição. Ia lá
morrendo afogada.
- Isso também já está a
ser tratado!
E a esperança caminhava animada,
de mão dada com a impotência de um pobre homem, vivendo na mais pura ilusão.
Um dia, na cabeça dos
espertos, menos escrupulosos e mais loucos do que o pobre homem, maquinaram
gozar o Zé Rato. Tentaram pregar-lhe uma partida.
Como ele dizia que não
tinha temor de nada. Enfrentava toda a gente destemidamente, íamos ver desta
vez, como reagiria…
Ora, acreditava-se que as
bruxas faziam piscar pequenas luzinhas enquanto dançavam nas encruzilhadas. O Diabo
aparecia para as proteger, à meia-noite. Toda a gente receava por isso, passar
nesses lugares a essa hora.
O Zé Rato indiferente
a essas crenças, passava a qualquer hora. As pessoas sabiam. Embora não o confessassem,
admiravam a sua coragem.
Um desses astutos maldosos , mobilizou outros camaradas e tentou intimidar o Zé Rato. Fizeram lhe
saber, que o Diabo um dia destes, ia aparecer-lhe na encruzilhada, quando ele
fosse a passar. Tinha que ter cuidado.
Assim foi. Dois ou três ousados
palermas, enrolados em lençóis brancos luzindo na noite de lua cheia,
aparecerem de repente na encruzilhada, para atemorizar o Zé Rato e assim, nessa inesperada espera, se
divertirem com o susto do pobre homem.
Então ele passou à pressa
sem reagir. Foi a casa buscar uma afiada gadanha e gritando em voz alta, dirigiu-se
destemidamente, para junto dos fantasmas que se moviam com sons estranhos, ecoando
na calada da noite…
- "Eu não tenho medo do Diabo! Eu mato o Diabo! Vou já espetá-lo com esta
gadanha para ver quem é mais forte"!
Aflitos. Em grande perigo, os “diabos
e bruxas”tiveram que fugir à pressa, a fim de que a brincadeira não acabasse
mal e os seus corpos não ficassem espetados, permanecendo estatelados esvaindo
em sangue, na encruzilhada fatídica.
Foi grande o gozo, ao outro dia, ao
saberem o que se passou.
Toda a gente da zona, comentando a esperteza saloia
daqueles patetas mais tolos do que o Zé Rato, passaram com carinho, a admirar um pouco mais o herói!
O Zé Rato quase ia sendo levado em ombros.
De facto, ele demonstrara ser o
Presidente da coragem e do sonho!
Independente e ocupado
com uma realidade carente de soluções para todos, ainda que fosse só em
imaginação, dentro de si, louco ou não, animava a miséria e a tristeza de seus
vizinhos !
img.net
Normalmente, são tão poucas as
diferenças de homem para homem que não há motivo nenhum para sermos vaidosos.Barão de Montesquieu
…e desrespeitosos, gozando com
a fraqueza dos outros…acrescentaria eu
Lucinda Ferreira
C.ª 23.8.16
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