Textos e pretextos
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Carta a uma amiga…
Querida Solidão:
Quando todos nos abandonam, tu és a fiel
e presente amiga, que nunca desapontas. És sólida e igual a ti. Não enganas
ninguém.
Sabes quanto se chora às escondidas, por
abandono e tristeza, dos que professam a mesma Fé. Dos que se favorecem em
situações diversas, e que perdem a memória dos afectos e do reconhecimento
carinhoso.
Ajuda-se o outro/a com todo o coração,
com genuíno amor e espontaneidade, mas a gratidão não é cultivada. Até deixam
de conhecer quem lhes perfumou a vida. Usam e abusam da credulidade. Pureza.
Disponibilidade. Desinteressadamente a Solidão, essa é segura. Todos se
escondem na poeira do tempo.
Enfeitam-se as pessoas com as nossas
projecções, o que nada tem a ver com elas, daí que a Solidão tem sempre razão.
- Sabes hoje, o quanto és importante
para mim. Quanto te amo. Venero!
Quando Anne Frank dizia que somos terrivelmente sós ,
quando não somos particularmente importantes para alguém, eu ainda não sabia,
como é gostoso conviver ‘eu com eu’.
É
muito melhor do que viver com alguém, e estar ainda mais só!
Aliás, entrar em contacto connosco, só
traz benefícios.
Segredas isto e muito mais ao ouvido, mas
dificilmente te aceitam.
Batalhamos pelos que amamos e nesse
gesto já temos todo o retorno da alegria do bem-fazer.
Deserto é sempre
deserto, onde nem um olhar ou um abraço têm cabimento, mas o tempo flui.
É
professor. Acaba por se descobrir o encanto e ternura de uma flor abrindo. Da
carícia de um animal. Do som da Harpa quando o vento bate na janela do quarto.
Depois de muito lutar, venceste, querida
Solidão!
Hoje, como te busco. Prefiro a tanta
hipocrisia. Barulho. Confusão. Aparências e mentiras, já não preciso de te
dizer.
Muita gente pensa que a produtividade, a
alegria, a criação artística e não só, nascem no obrigatoriamente sociável.
Não sabem eles, que a Solidão é tão
necessária como o ar que respiram, para que esses estados de espírito aconteçam
e a luz possa brilhar no fundo do ser.
Todas as mentes mais brilhantes escolhem
a Solidão!
Concordamos que as longas conversas são
entediantes.
Para não quebrar a dinâmica do grupo,
ter que suportar as crenças do grupo, é duro. Silenciar o pensamento próprio e
original, para ser aceite, custa.
A sociedade ocidental que privilegia a
pessoa activa à contemplativa, insiste no trabalho de equipa, desprezando a
contemplação e autoconhecimento.
A percentagem de infelicidade e
descontentamento está em tudo isso. Se não és sociável (?!), até vêm com a
história triste do psiquiatra, que entorpece com drogas cheia de efeitos secundários,
de um qualquer laboratório amigo.
Mas casar mais tarde, a grande
percentagem de divórcios, a longevidade, incentivam à Solidão voluntária,
muitas vezes, até como um luxo.
Andar pela casa à vontade, mudar de
canal da TV sem teres de negociar, comeres apenas quando te apetece, saíres e
demorares o que precisares, cair na cama sem ninguém que ressone ou te
incomode, dormir no sofá, improvisar planos sem explicações complicadas, viver
relações com mais qualidade, não por imposição, mas por extrema satisfação, sem
apego e verdadeiro amor, tudo isso a Solidão oferece.
Facilita ainda, o desenvolvimento da empatia, numa extensa
rede social. A bondade genuína sem constrangimentos. A aceitação. A valorização
e estima do outro, sem interesses e egoísmos camuflados e muita raiva, revolta à mistura.
É no deserto onde se pode ser totalmente
livre. Sem medos, reencontra-se o indivíduo inteiro.
E em paz consigo mesmo. Isso é saudável
e reparador.
Sabes, querida Solidão, as pessoas fogem
do seu interior. Não querem mudar, por isso
nem sequer contemplá-lo, lhes apraz. Não querem saber quem são. Vivem na
ilusão. De aparências. Nas competições. Acham se uns lírios. Nunca assumem responsabilidades.
Culpam tudo e todos pelas suas dores e contratempos.
Quanto menos estão sós, mais difícil é
ficarem sós.
Dizem:
-
Interioridade é lá para os orientais.
Meditação. Oração. Perdão é para “beatas” e para a Seicho-no-Ie
Responde serena a Solidão:
- Todos acabam por vir bater à minha
porta. Nasces sozinho e morres sozinho. Ninguém pode fazer essas coisas por ti,
mesmo que estejas sempre muito acompanhada e no “laró”.
- Sabes, querida Solidão, sinto-me mal
no barulho.
O espaço solidão é um bálsamo para fazer
contacto consigo mesmo. É nessa contracção que se recupera o equilíbrio. Se for
na Natureza, o prazer redobra. Recuperar a necessidade contemplativa é
imprescindível, para compensar a hiperactividade destrutiva, que grassa na
alienação geral!
- Somente quando se tolera o tédio e o vácuo,
se é capaz de desenvolver algo de novo. Desintoxicar de um mundo compulsivo,
cheio de estímulos e comandos, que constantemente tiram a pessoa do seu eixo.
Uma sobrecarga informativa carrega em si muito lixo.
As crianças são as grandes vítimas. Os
pais alucinados. Irresponsáveis, deixam nos entregues aos i pad’s, televisões,
telefones, cheios de radiações perigosíssimas, em vez de brincarem com eles, em
casa ou na Natureza. Não sabem estar sós. Tranquilos.
)
As crianças super activas e
destrambelhadas com tanta violência veiculada, sem discussão e análise, com os
pais, acabam, elas também, na violência. Crime e comportamentos desviantes.
A base da criatividade. Inovação e
liderança assentam na solidão.
Depois de um dia stressante no serviço.
Redes sociais. Telefones, só a Solidão oferece o repouso capaz de curar.
É de extrema urgência criar oásis de silêncio.
Isolamento e fazer as pazes consigo.
Minha amiga querida Solidão, amo-te.
Sou - te grata por tanto que me tens
dado.
Peço
perdão por nem sempre ter sido assim o nosso relacionamento, pois hoje sei que…
"A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais". Arthur Schopenhauer
Coimbra , 7 de Maio de 2018
Lucinda Ferreira
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