Powered By Blogger

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Mecanismos da alegria"




Mecanismo da alegria”




Hoje, o Príncipe
Veio ver-me…
Vinha vestido de luz.
Todo o seu ser
Resplandecia
A sua essência emergia
Pura. Nua .
Sem porquê.
Oferecia-se-me
Em taça dourada
Simples
Perfumada.
Os olhos brilhavam
Húmidos
Profundos
Como aquele mar
Que trago escondido
No fundo do peito
Aquele amor perfeito
Que não tem princípio nem fim.
Cativo.
Anónimo. Simples.Antigo.
Assim…
3.12.09

Aceitação



"A ACEITAÇÃO

Até ao sistema de perdas eu já expliquei. Pois hoje, quero falar-te da sequência. Do que acontece a partir da perda. Para nós, cá em cima, a perda é sinónimo de fragilidade. O ser perde para se fragilizar. E fragilizar para quê? Para obrigar a ir lá dentro, ao centro do sentimento, aceitar, aceitar que as coisas acontecem, e vivenciar o que tiver de vivenciar nesse momento.
Se a pessoa não se fragiliza, se não se conecta com a sua emoção, nesse caso, as perdas vão sendo cada vez maiores, para que se dê o ponto de contacto. O ponto de contacto é o momento preciso em que a resistência baixa para zero, e o ser se conecta com ele próprio, com o que verdadeiramente sente, e é iniciado o processo de aceitação.
O processo de aceitação é quando a pessoa interioriza que não é nada perante o Universo na sua totalidade. Quando percebe que se as perdas lhe aconteceram foi porque as atraiu, nesta ou noutra encarnação. Quando interioriza que tudo se vai transformar na sua vida ao mudar de atitude, passará a agir de forma muito mais autêntica e universalista.
Ao aceitar, o ser começa a abrir-se para o infinito, para as novas dimensões. E é lá que vai buscar inspiração e luz para iniciar o próximo processo pós-perda. O processo de ascensão."
JC

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Reencontro - conto




Conto: O REENCONTRO





Zélia acabara de ler o seu nome na lista dos professores escolhidos para estagiar um ano na Alemanha.
O sonho disparou dentro de si.
Viajar e conhecer novos horizontes era algo que alimentava a sua alegria de viver!
Antes era o entusiasmo da preparação.
Durante, a emoção da descoberta. O usufruir do mundo circundante, diferente e sempre novo, acolhido como o “presente” do momento que logo se esvai.
Após, quando se descodifica. Interpreta. Se vive de tudo o que o coração arquivou por o ter tocado. A língua francesa lá o expressa: “savoir par coeur”.
………………………………………………………………………………..
Vencidas as dificuldades da viagem e de toda a adaptação, chegava-se a Dusseldorf.
A Universidade era ponto de encontro de gentes variadas, vindas de todos os recantos.
Zélia, como sempre, mantinha-se atenta aos sabores, às cores, às mensagens emitidas à sua volta, à cidade, aos costumes, aos sons, enriquecendo assim o propósito primeiro da discussão das matérias a aprofundar.
Nos encontros e desencontros humanos, observa com todo o interesse, as culturas em todas as suas expressões, gestos e comportamentos diversos. Inesperados.
Zélia era simpática. Sorridente e calorosa sem ter que fingir nada. Era naturalmente assim. Sem ser aquela beleza clássica, era contudo vistosa, interessante e não passava despercebida.
………………………………………………………………………………..
Nesta cidade alemã de muitas misturas, tudo podia acontecer.
O quarto ao lado do seu, de um senegalês alto, de pele bem negra e brilhante, recebia no mínimo, cinco a seis loiras por noite, com algumas variações que ninguém escondia.
Os sons…os barulhos…o reboliço até altas horas, eram demais para quem tivesse hábitos pacatos. Mas tudo fazia parte de tudo.
No corredor, ao cruzar com outro africano não menos confiante do que o vizinho de quarto, fora abordada sempre com a mesma naturalidade de quem vive em família, para responder a uma pergunta disparada à queima-roupa:
- Gostas mais da sombra ou da luz?

Zélia não se apercebeu logo do alcance daquela questão. Respondeu contudo, em língua alemã, fio condutor e elo de ligação de todos os estagiários, como uma mulher assumida do sul, do País da claridade.

-Gosto de luz. Vivo em Portugal, no país do Sol.

O jovem negro interpretou o simbolismo da resposta, tal como formulara a questão, cheio de segundas intenções.
Sempre que se cruzavam, não deixava de a olhar de soslaio, sem contudo forçar a situação.
No grande campo universitário de extensas e amplas relvas bem cuidadas, se estendiam os jovens lendo, ouvindo música, conversando ou…amando.
Naquele mar de raças diversas, gentes vindas de todos os cantos, um dia, Zélia deu de frente com uns olhos azuis, azuis da cor das hortênsias que deixara no seu jardim.

- Será que estou a ver bem? Um pedaço de céu azul do meu Portugal, em dias limpos e serenos, que teima em não me sair do pensamento…Que coisa estranha. Nunca me tinha acontecido isto. Parece até que o coração bate mais forte quando tenho a sorte de os cruzar. Estranhamente, sinto-me enfeitiçada. Coisas do coração...e ”o coração tem razões que a razão desconhece”-

Recordava, tentando controlar-se, ser objectiva e sempre retomando o fio do pensamento, que lhe fugia como um cavalo à solta, necessitando como quem respira, de correr e de viver!

- Parece que nunca mais tive sossego. Preciso concentrar-me. Foge-me o pensamento.

Depois, como por milagre e como diz o Povo, “quem bem se quer sempre se encontra”, o inevitável aconteceu. Cruzou-se o castanho quente e louro de uns olhos cheios de sol e o azul, azul de mar das terras nórdicas.

-Talvez seja hoje, na fila do restaurante - pensava Zélia para si mesma.

Assim foi. Mesmo em cheio, os olhares consentidos, curiosos ambos, atraídos pela complementaridade da cor, da serenidade ou da inquietação que carregam, cruzaram-se bem fundo!
- Faz favor – disse o colega.

Zélia passou à frente e sentou-se numa mesa vazia. O colega seguindo-a, pediu licença. Ficaram sentados lado a lado. Encetou-se então uma larga e agradável conversa. Biorn, era assim o nome do eleito, também era professor de inglês e alemão. Temas para analisar e discutir não faltavam. Falou-se das impressões do lugar e das circunstâncias, de metodologias…culturas…história e política dos países de cada um. Este foi só o início. Depois todos os outros dias lá estavam os nossos dois amigos juntos. Sempre com assunto e encantamento mútuo. Crescente.
Ambos livres de qualquer compromisso e com tantas afinidades, o amor aconteceu! Diz-se que a maior parte das amizades entre um homem e uma mulher redundam em amor. Foi o caso: únicos um para o outro.
Caminhando na mesma direcção, eram tecidas de luz as descobertas que ambos partilhavam com uma alegria cada vez mais intensa e renovada.
Era profundo e verdadeiro o ser que se gerava entre ambos.
Lentamente, como as grande árvores que crescem devagar, um amor cheio de delicadeza, respeito, dedicação e fidelidade aumentava todos os dias um bocadinho mais.
A certa altura o enlevo era tal, que para Zélia bastava fixar Biorn: o sangue fervia nas veias; o coração saltava no peito…

-Meu Deus! Que choque me percorre todas as fibras do meu corpo, sempre que de mansinho, Biorn engalfinha os seus nos meus dedos…ou até apenas quando o seu doce olhar de veludo me envolve.
Como vou controlar este sentimento que me escapa tão veloz e escorregadio? A alma fugindo sorrateira, morando toda no seu mar. Nada já me resta?!

De facto, uma paixão intensa queimava-lhe a alma e até o corpo…
Já com alguma intimidade, Biorn sorria satisfeito, saboreando todo o néctar daquele amor do sul dedicado e cigano, roçando ao de leve...os lábios frios …no ouvido da sua querida, segredando-lhe, sussurando baixinho :
-Com esta mulher que é lume, quem é que se pode aguentar?...
Tudo o que restava da minha natureza céltica me fugiu sem dar por ela.
Arrebatas-me para regiões desconhecidas.
Zélia és uma feiticeira que me conduzes a viagens mágicas.
Caminhos nunca antes andados… e não sou de todo um adolescente.
Tenho exactamente como tu, trinta anos bem vividos.

Quando serenos conversavam, após o banho relaxante depois do encontro fogoso de corpos, almas e tudo o que dois amantes trocam no momento de suprema ascensão, riam e brincavam. Ele contava histórias fantásticas de barcos, veleiros, vickings com sabor a mar em que ambos eram protagonistas.
Príncipes e Princesas sonhando mundos e conquistas em que eram as personagens centrais.
Depois era de novo a realidade vivida com a coragem e o entusiasmo de quem se sente compreendido e bem amado.
Era o trabalho e o convívio alegre entre todos e os seus olhares enlaçados como um íman na multidão.
O amor e o fogo quem os pode deter?
Onde e como escondê-los?
Aquele romance inesquecível para ambos, que parecia para a vida inteira durou um ano. O tempo do estágio.
Depois regressaram aos seus países: Biorn voltou para a Suécia.
Zélia regressou a Portugal.
O compromisso inequívoco ficou no ar. Mas se longe dos olhos, perto do coração para alguns, para outros nem sempre assim é. A vida complicara-se .
De comum acordo e salvaguardando uma boa amizade, rompeu-se todo o resto. Dilui-se. Diluíram-se os sonhos mais lindos de Zélia não sem mágoa…Uma certa nostalgia envolveu-a durante bastante tempo.
Biorn também não esqueceu a sua amada do Sul. Não pôde ir tão longe quanto o seu coração. Ficou-se pela Suécia. Constituiu família com uma burguesa fria, prática e de modos pouco femininos que lhe saltou à frente, teceu uma teia, acabou por o comprometer e envolver em definitivo.
Biorn dizia para si mesmo:
-Isto não tem nada a ver com a doçura e a delicada sensibilidade da minha Zélia que não me sai do pensamento… mesmo quando estou com minha mulher..A verdade é que não consigo controlar.
Esta marca ficou gravada no mais íntimo do meu ser. Como libertar-me? Não sei. A raça, a entrega, a certeza e a verdade sem porquê daquele amor que Zélia me ofereceu, nunca mais o viverei…
Como me arrependo. Só culpa minha, bem o sei. Tenho momentos que me indigno da minha frouxidão.
Talvez por osmose ou por contágio, ficou-me a saudade, o sentimento comum que mora habitualmente no coração português, sei agora quanto pesa.
Esta nostalgia, este tédio e alheamento, como hei-de resolvê-lo? – perguntava--se algumas vezes.
Após a leitura de algumas páginas de um livro que fala de Portugal, fico absorto. Fixo o olhar perdido no além longínquo e sem fim…
Recordo Zélia, a mulher que me deu momentos jamais repetidos em minha vida. Como apagá-la da minha vida? Não sei.

Por sua vez, Zélia vivia ancorada àquele sabor, àquele perfume e aquele amor , sem nunca mais encontrar quem o suplantasse. Repetia, quando a interpelavam acerca da sua solidão:
- Mais vale estar só do que mal acompanhada.
-Mas por que não arranjas um companheiro? Tens tudo o que um homem deseja encontrar numa mulher - repetiam aqueles que a estimavam e a viam mal, sozinha.
- Porque ainda não o encontrei. Ninguém mexe comigo…Florbela Espanca dizia: “Um homem, quando eu busco o amor de um Deus”! Por vezes debato-me com tanta dúvida…
Na verdade, gosto de estar acompanhada, mas…com quem?
Será que busco um ser possível ou isso será uma desculpa para continuar fiel a Biorn, meu amor primeiro e único, que ninguém ainda conseguiu suplantar?
É que mal me aparece alguém, um pretendente, inconscientemente comparo logo, pela fasquia mais alta no que de melhor descobri em Biorn. Fico desanimada. Não consigo avançar, embora reconheça qualidades na pessoa.
Acho que integrei tudo dele. Aceitei tudo! Até o que não era o melhor, valorizei como positivo. Distanciando-me um pouco, tenho disso consciência.
Será sempre assim no amor? Para a vida inteira?!
Nem o tempo nem a distância conseguem apagar esta estranha força tão forte, sempre presente. Parece que cada vez estou pior.
O tempo não perdoa, eu sei. A alma sente mais intensamente. O corpo está menos flexível. Quando me vejo ao espelho, espreito...e descubro rugas e cabelos brancos que me vão pesando...
Bem afirmava o nosso querido João de Deus : A vida é sonho que voa.
Quando nos distraímos um pouco e nos descuidamos, a vida já passou.

Zélia nos seus longos monólogos e reflexão, continuava repetindo para si mesma:
- Às vezes esquecemo-nos de viver. Paramos no tempo amarrados a um passado que teimamos em não deixar ir. Só quando se apanha um susto, um desaire ou uma doença grave de que se escapa, uma tempestade que nos acorda, abana todo o ser, tomamos consciência de que ainda estamos ali. Só nessa altura queremos aproveitar o dia a dia. Vivos! É preciso viver. Agradecer à vida! Aproveitar as mil coisas lindas e simples à nossa volta, tais como uma flor abrindo.
O cheiro à terra molhada depois de um sol que queima a alma.
A imensidão do mar sereno ou revolto desfazendo-se num rendilhado
mesmo ali a nossos pés.
Sentir o frio e o calor…
Um pôr de sol ou uma flor entrando pela janela do quarto…
Tanta coisa bela afinal que tenho perdido nos meus dias plenos de obsessão. De um passado que não pode voltar!
Tenho que sair disto!

A partir desta tomada de consciência, Zélia começou a inventar estratégias para se manter alegre. Ocupada.
Descobriu que o melhor remédio para quem estar triste é dedicar-se aos outros. A quem precisa. A alegria só é grande quando partilhada.
Ela bem sabia que todo o estado de espírito da mente se reflecte em saúde ou doença conforme a qualidade desses pensamentos. Não podia continuar só no meio da multidão. Virada para dentro no seu egoísmo.
- Saber e não fazer, é como não saber. – repetia agora algumas vezes para si própria, Zélia que tentava mudar de atitude.
- Vou vencer este meu perfeccionismo que me dá cabo da vida.
Exímia em tudo que faço, para quê se isso não me faz feliz?
Inteligente, objectivou a sua dificuldade e tal como a ostra que do seu sofrimento faz nascer a mais bela pérola, Zélia aproveitou para crescer.
Entre muitos dos seus passatempos, havia um que ela adorava: viajar!
Sempre que estava livre da suas tarefas, viajar todos os anos, era obrigatório.
- Vou é até Londres. Lá, sinto-me no meu lugar por excelência. Tenho paz. Sinto-me bem. O geométrico, o arrumado, o contido e o aprumo dos saxões agradavam-me. Percebo agora que as impressões do meu colégio inglês me marcaram para sempre.
Vendo bem, o que me atrai em Agosto, em Londres, também é o clima ameno bem diferente das temperaturas extremas nesta nossa ponta da Europa, que segundo consta, estão aumentando um grau e meio em média, anualmente.
Neste sul do país que adoro, como vou suportar 40, 43 graus, na canícula, por mais que me meta na minha “toca” preferida? Custa-me mesmo aguentar este calor…
Grã- Bretanha está mesmo a calhar. Aproveito e revejo os amigos que ainda são o melhor da vida. Já tenho saudades …

Telma, Lúcia, Jacob adoravam a companhia de Zélia, feita de charme e simplicidade.
- Assim que chegar, é só dizer que vou, haverá um interessante roteiro organizado com festas, espectáculos de qualidade, passeios... surpresas. Sei bem o que me espera. Depois ainda tenho as minhas descobertas para fazer sozinha…Meto-me num transporte e lá vou sem rumo, com sabor a aventura. Aventura simples, emocionante e diferente de tudo que é organizado na minha vida rotineira a que me sinto obrigada. É tudo o que preciso, neste momento, um pouco cansada. Nada de rígidos horários. Aí vou eu toda contente.

Numa das suas deambulações sem saber onde iria parar, Zélia foi parar a Oxford.
- Fico sempre contente quando chego aqui. Nem eu sei bem porquê…
Gosto deste ambiente pacato dos grandes colégios, dos verdes e da cidade em si mesma. Sempre que revejo o filme “O clube dos poetas mortos,” revivo Oxford.
Depois, constatou:
- Desde que me separei de Biorn, num dia triste e chuvoso que nunca poderei esquecer, que me acontece algo estranho: inconscientemente procuro o meu amor por onde passo. Que tolice a minha!
Parece que o vejo de repente, com aquela expressão única que um dia me prendeu para sempre. Logo de seguida naturalmente, noto que me enganei.
Quando reparo num cavalheiro de olhos azuis, embora discretamente, tenho que confirmar que não é mesmo Biorn. Este meu coração é um eterno sonhador. Sem eu querer, até bate mais depressa.

Aflorava-lhe aos lábios um sorriso triste de desilusão, saudade e desencanto, desenhado no rosto expressivo e meigo.
Repetia para si própria:
- Zélia, és uma eterna criança. Ainda assim, nada de desânimos. Força. Um dia a vida ainda vai sorrir-te. O diabo não há-de estar sempre atrás da porta, como se diz por lá.

Tentava assim reconfortar-se para levar a bom termo o seu projecto de ressurreição interior. Desta vez, chegou a Oxford bem cedo.
- Vou dar uma volta pela cidade, em ar de saudação. Há sempre algo de novo a descobrir, mesmo quando se passa todos os dias no mesmo local, quanto mais aqui em que tudo muda constantemente. É engraçado que há sempre novidades. É como se fosse a primeira vez que visito esta cidade mágica!

Ao fim da manhã, sentiu-se cansada. Sentou-se um pouco e tomou uma bebida fresca e gostosa. Tranquila, pensamento vadio, absorta , fixava o vazio, recordando o seu Portugal, a sua vida. O olhar passeando perdido sem limites nem pretensões. Na mesa ao lado, escapara-lhe alguém de ar distinto, seguindo atentamente todos os seus gestos e distracção. Quando Zélia deu por isso, ficou embaraçada. Mais ainda, quando de repente, escutou:
- Desculpe, mas diga-me por favor, qual é a sua nacionalidade. - disparou quase nervosamente aquela voz ali ao lado, falando em língua alemã.
-Sou Portuguesa.
-É professora de inglês e alemão, aposto pelo seu sotaque?
- Sim. - respondeu Zélia intrigada.
- Quase arriscaria que esteve em Dusseldorf, no ano de 1967…
- Sim. – disse , já um pouco intrigada com este diálogo.
- Afinal, por que razão me faz essas perguntas? Quem é o Senhor?
- Não me conhece? – uma grande tristeza invadiu o seu coração.
Ela já esquecera tudo - repetia para dentro de si, como um eco de sabor a traição.
- Vive em Inglaterra? – insistia o desconhecido.
- Impossível responder a mais questões, sem saber com quem falo. – retorquiu Zélia intrigada .Sem poder acreditar. Sem querer admitir uma realidade tão fantástica.
- Por favor, Zélia! Como pudeste esquecer o timbre da minha voz.?! -disse, agora em língua inglesa, impaciente, quase desesperado.
-Todas as noites, me afastava de tudo e de todos, para escutar no mais fundo de mim mesmo, a música da tua voz. Recordar mais intensamente, o teu sorriso lindo que me têm acompanhado sempre …

Um calafrio percorreu Zélia. Quase desmaiou. Sem conseguir articular palavra, levantou-se. As lágrimas inundaram-lhe completamente os olhos. Correu para aquele homem ali à sua frente, tentando adivinhar o rosto de que se separara, 35 anos antes. Abraçou-o intensamente sem cerimónia, à boa maneira latina. Não eram necessárias palavras, fonte de tantos equívocos.
- És mesmo tu, Biorn? Meu amor! Não estaremos a sonhar? Que estás a fazer aqui? Estás só?
- Sim. Sou eu, querida Zélia. Minha mulher faleceu de doença prolongada. Meus filhos têm a sua vida. Ninguém precisa de mim. Como me sinto infeliz na minha solidão, sabe-o o meu diário fiel onde descarrego o que não posso dizer a ninguém, resolvi viajar. Sofremos todos muito com a doença de Melanie. Resolvi para espairecer um pouco, vir até Inglaterra onde um dia viemos nós dois. Era uma espécie de retorno confortável a alguém que eu nunca consegui esquecer. Mesmo que fosse só em pensamento ao rever os locais onde fomos felizes. Longe de mim, pensar que te poderia encontrar. Lembras-te quando viemos os dois, aqui?. Tentava virar mais uma página da minha vida. Recordar e encher o meu coração daquelas antigas imagens que foram os momentos mais lindos e verdadeiros dos meus dias.
E tu, que fazes aqui também, querida Zélia? Nunca me disseste nada de Ti por mais que te procurasse e insistisse. Não podias fazer isso comigo. Eu sempre fui sincero contigo. Tu recusaste ir viver para o meu país, sabes bem. Eu não podia sair de lá por motivos que te expliquei na altura.

Já num local discreto, longe da esplanada do grande encontro, Zélia tapou-lhe a boca. Beijou-lhe os olhos, onde ainda reluzia um pedaço do mesmo azul que guardara dentro de si.
- Não digas nada, Biorn. Ainda sinto um nó na garganta. Agora, não consigo articular palavra. A alegria também mata. Eu quero viver só para te olhar. Para te amar! Pega na minha mão, como sempre fazias há tantos anos. Ainda sentes como ela vibra? Diz-me que é verdade que não estamos enganados…Belisca-me! Vamos sair daqui, por favor.
- Sim. Vamos, mas podes estar tranquila que agora nunca mais te vou perder! Zélia. Quero morrer perto de Ti, querida!
- Tão depressa passou a vida, meu Amor. E ao mesmo tempo, senti que foi uma eternidade. Agora, estamos…velhotes, querido…
-Velhos???!! Nada disso! Querida, vamos viver o momento intensamente. Enquanto estamos vivos temos capacidade de amar. O amor não está só no físico. Tem que nascer antes de tudo, na alma. No mais secreto de nós mesmos.
O mais misterioso é que por vezes, nem sabemos a razão do clic.
Só somos velhos quando paramos de amar. A vida recomeça sempre que temos um sonho. Tu és única na minha vida. Sabe-lo muito bem.
Sinto hoje que nunca deixei de te amar. De pensar em TI.
Quantas vezes, na intimidade com minha mulher, eras tu a quem eu segurava nos meus braços…
- Não me digas essas coisas, Biorm… Quanto sofri pela nossa separação, nem te digo para não estragar a magia e o milagre deste encontro. Agradeço ao Céu que sempre me acompanhou. Nunca deixei extinguir a luzinha da fé e da certeza que ainda um dia, antes de partir, nos encontraríamos neste plano.
- Zélia, meu amor, que vamos fazer agora da nossa vida?
- Temos tanto que dizer...fazer…construir … que não consigo transmitir tudo o que me vai na alma. Para já, convido-te a vires comigo para Londres. Meus amigos vão ficar surpreendidos. Quase todos te conhecem por já lhes ter falado de ti. Vai ser muito bom.
Biorn não sabia bem o que dizer, mas poder reorganizar a sua vida afectiva com planos a dois, com um amor delicioso como este, fazia-o viver quase num mundo irreal. Sentia-se forte. Jovem, como há muitos anos atrás. O amor tem destas coisas.
- Se é isso que queres, querida, está bem. Nunca mais vou deixar de confiar na tua intuição. A inteligência do amor é para considerar sempre.
O resto, depois veremos. O mais importante é estarmos juntos novamente. Parece que no mais profundo do meu ser, sabia que este encontro seria inevitável por causa deste sentimento mútuo demasiado forte e verdadeiro, Zélia, tinha que produzir um efeito!

Naquele dia, o mais longo e o mais curto da vida de Zélia e de Biorn, um encantamento e uma alegria sem medida enchiam o coração daqueles dois seres em deslumbramento. Nada nem ninguém mais existia no universo. A emoção ocupava-lhes todos os espaços! Nada mais, para além deles, contava. Era um presente mesclado de saudades e de projectos. O silêncio entrecortava as palavras de quando em onde. Os olhos húmidos entrelaçavam-se, em beijos de luz e de um amor intenso.
É cruel devassar a intimidade dos amantes que se querem de verdade. Não acha, querido leitor? Agora só podemos adivinhar um pouco do futuro destes dois enamorados. Imaginar alguns dos seus dias.
Ainda assim, escutemos de longe o que pensa Biorn:
- Portugal é o melhor país do mundo para se viver. E pergunto-me: qual a razão por que tantos estrangeiros decidem viver a ponta final das suas vidas neste canto de paz banhado de sol e simpatia? Escondem-se nos mais recônditos cantos da terra portuguesa. Semeadas nas serras, as casas emergem tranquilas e solitárias. Se for no sul, é certo que albergam um casal holandês, alemão ou inglês. Eles lá sabem bem a razão e eu, como nórdico sem sol, também já o experimentei.
A Biorn, neste momento da sua vida, não lhe interessa questionar politiquices, economia, organização social, saúde ou educação...
Também não seremos nós a falar dos piores defeitos do Povo Luso: bisbilhotices e invejas próprias de um meio estreito e exíguo.
Jorge Dias, no seu estudo interessante sobre o carácter do Povo Português, apresenta matéria fidedigna para quem se quiser deleitar e aprofundar esta temática. No entanto, estamos certos que muitas dificuldades são esbatidas por este clima do sul, pela abertura simples e o acolhimento generoso tão português. Só espero, é nunca mais poder ouvir comentários como o de um cidadão vindo da Holanda que dizia:
“Coitados dos Portugueses. São básicos e palermas, pois que sendo tão pobres, oferecem tudo o que têm e ainda ficam felizes”
Para Biorn de facto, Portugal era uma espécie de paraíso onde estava decidido viver o resto da sua vida.
- Quero morrer em Portugal.Uma mulher, como nunca encontrei outra, roubou o meu coração, há muito tempo.– dizia agora muitas vezes.
Acho mesmo, que apesar de ter passado parte da minha vida num outro espaço, o meu pensamento e sentimentos, sempre me fugiram para esta terra Portuguesa onde o eu espírito sempre morou.

Zélia calma e doce, revia-se nas palavras de Biorn. Não sabia ela como inventar maneiras diferentes e únicas para o amar, para o fazer o homem mais feliz do mundo. Às vezes, conversava com o seu marido:
- Amores trocados, vidas truncadas é o que há mais. A vida é curta neste plano. As pessoas encontram-se para crescer com alegria, não te parece querido? Ora como só se aprende com quem se ama, é difícil evoluir na maioria dos casos em que se vive de uma lembrança. Certamente valerá a pena lutar para ser feliz, não achas Biorn?
- Sim. Sim. Nada compensa esta paz do encontro certo. Não andará por aí aos pontapés a realização pessoal de cada um. Facilitar resolverá o essencial?
Os frutos mais docinhos são os do cimo da árvore. Apanham mais sol. São os mais difíceis de colher. Aos outros toda a gente chega.

Para Zélia e Biorn terá sido bom nunca terem perdido a esperança. Acreditarem firmes no reencontro, acreditem. A sintonia compensa.
Passei há tempos, com um grupo de colegas professoras, pelo Alentejo numa jornada de lazer, para ver as amendoeiras em flor e recordar a lenda da Princesa nórdica que tinha saudades da neve. Eis senão quando... nos deu nas vistas, uma casa muito especial, lá num monte...Exposta ao sol e à luz , uma casinha comprida colada ao chão, rodeada de flores, animais, deixando no ar, uma música de Mozart, exactamente árias da Flauta Mágica. Um lago artificial dava a sensação de um oásis.
Um fontanário público, ali mesmo pertinho à beira do caminho, com gente enchendo garrafões de água fresca, num Alentejo seco e árido por vezes mesmo neste começo de Primavera, fez-nos parar também a nós que íamos sem pressas e precisávamos fazer uma pausa. Foi então que uma das colegas deixou sair um comentário acerca da casa ali mesmo próxima.
-Olhem que casa tão simpática, aquela ali rodeada de flores?

Uma das senhoras que enchia o garrafão, como as gentes portuguesas comunicam facilmente, ao ouvir falar da vizinha, disse com sotaque alentejano:
- As senhoras gostam esta casinha? É da Dr.ª Zélia, uma professora de inglês aqui muito conhecida e estimada.Casou há ainda poucos anos com um senhor lá da estranja. Parece que é da Suiça ou da Suécia. Ouvi estar a dizer há dias, que eles recolhem animais abandonados e os tratam com todos os cuidados.
Têm lá para trás um grande terreno onde cuidam dos burrinhos que o pessoal abandonava na serra, atados a uma árvore para assim morrerem. Então eles vão lá buscar os bichinhos que aqui são tratados com todos os cuidados até ao fim dos seus dias. E ainda empregam lá na “Quinta da Esperança” algumas pessoas aqui da terra.
- Maria, mas a minha filha também foi aluna da Professora Zélia. Um dia destes falou nela lá em casa e disse que o marido escrevia lindos livros!
É gente muito boa para toda a vizinhança.
…………………………………………………………………………………

Quem é feliz não tem dificuldade em amar toda a gente e ser boa para todos.
Zélia e Biorn são o exemplo de que ainda existe uma réstia de luz, uma esperança de encontro para quem procura o seu amor.
Vale a pena insistir e ter e a certeza de que mesmo quando difícil, é sempre motivo para crescer, quando cruzamos com alguém. Ninguém se encontra por acaso.
Já encontrou o seu verdadeiro amor? De que é que está à espera?
Ele também anda à sua procura.
Celebre o encontro!

Lucinda Ferreira
7 feverero 2007

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Da minha janela 2


O meu blog é a minha janela!

Dela me deixo ver e me dispo na minha simplicidade.

Me exponho.

Umas vezes, os textos são curtos para compensar a canseira de quem se farta de ler um conto mais extenso...

Eu disse no meu perfil que adoro escrever.
"Escrever é usar as palavras que se guardaram;
Se tu falas demais , já não escreves, porque não te resta mais nada para
dizer"...

Também disse que adorava publicar os meus escritos, olhem , amigos, é o que vou fazendo.

Agradeço-lhes quando expressam a vossa opinião, porque isso dá- me alento para continuar.

Obrigada aos meus seguidores e quem me deixa comentários e ou emails e telefonemas.

domingo, 29 de novembro de 2009

Analisar e não julgar







Julgar é achar-se mais do que os outros!








É considerar que sabemos tudo e que os outros não sabem nada.








É considerar que só nós é que temos a receita dos bons acontecimentos e que as tentivas dos outros são inúteis e descabidas.








Julgar incita à separação.








Vamos ver então agora o que é analisar.








Analiso, quando sinto que algo está correcto ou incorrecto, de acordo com a minha energia.




Tento perceber e ver , se isto é bom para mim próprio.




Tento perceber o que acontece.




Isto é necessário e muito importante, sem estar com medo de que isto é julgar.








Agora quando considero que o outro tinha ou devia fazer isto ou aquilo, de forma diferente e que essa pessoa é isto ou aquilo por não ter feito, isso é julgamento.








Não interessa ir por este caminho!








De qualquer modo , quando somos capazes de afirmar com convicção:








"não concordo contigo, mas vou lutar ao teu lado para defender o direito que tens de fazer isto ou aquilo".








Assim? Sim!












sábado, 28 de novembro de 2009

O amor tem as costas largas...



O amor tem as costas largas…


   ( imagem da net )

”Como o sol abre a corola da flor que a noite fechou, assim o Amor dará força e alento ao coração endurecido pelas decepções da vida”.
Card. Suenems

O ser humano só evolui, quando faz um esforço para se conhecer.
Depois não é o tempo que tudo cura e tudo esclarece.
È a consciência da missão pessoal. O sentido verdadeiro do que é o amor!
Saber o que andamos a fazer neste Planeta, ao qual chegámos, não por acaso.
E isso acontece quando nos despimos de ilusões .
Ás vezes , só quando ficamos mais maduros, tiramos estas conclusões, infelizmente. (…)

Paixão. Atracção. Ciúme. Posse. Sexo não são AMOR!
O amor incondicional é de facto aquele que enche o coração do ser humano. Ele não se alimenta com o que vem de fora. Age sempre de dentro para fora. É o amor ideal. Real. Mesmo na vida conjugal.
Por isso ele ama sem porquê. Seja a quem for. Não espera nada em troca. Dá porque dá. Age, porque age. Regozija-se. Alegra-se por tudo o que recebe, num grande encantamento, por ter descoberto o sentido das relações em alegria. Certezas. Ajuda . Companheirismo. Verdade e coerência.
O amor incondicional é assim como as flores. Desabrocham . Perfumam. Dão cor à vida , porque sim.
As flores não esperam nada em troca. Talvez que não as queimem. Que não as privem de oxigénio. De terra. Que as deixem viver, para se darem.
O grande Sol, as plantas, os mares, a Natureza amam, porque sim.
Mas o ser humano diz que “ama” quando dá .
Se não tem retorno , logo desiste. Até se acha patetinha.
Dá, quando controla. Se não controla, assusta-se. Tem muitos medos. Tem medo de ser enganado. De ser trocado.
Não entende, que quando um copo está cheio, não pode conter mais água.
Quando não percebe que o amor é de dentro para fora e que ninguém pode encher o buraco do seu peito, o seu vazio, se ele próprio não trabalhar a sua interioridade. Nunca ninguém pode culpar o outro pela sua felicidade ou infelicidade.
Somos os únicos responsáveis pela nossa vida. É tudo de dentro para fora.
Os homens, mais facilmente que as mulheres, se não são satisfeitos todos os seus caprichos, começa a “pôr os ovos a outra galinha”, porque aquele mulher não o satisfaz . Não o entende.
Só quando ele tiver resolvido a sua própria interioridade, é que ele está apto a agradecer por tudo que recebe de alguém. Não esperando nada do outro , Tudo que vem até ele, toma-o como uma bênção. Mas aceitar isto, pressupõe ter consciência do seu papel no Universo, como ser único. Indispensável . Insubstituível.
Aquela coisa:
“haja o que houver , quem tem a culpa é a minha mulher,” está mais do que ultrapassada.
Aliás hoje , alguns homens mais “espertos” vão com pezinhos de lã, para usufruírem dos benefícios que lhe dá a presença de uma mulher, nas suas vidas. Podem ser benefícios materiais, vantagens diversas, ou aquela outra (…) que todos muito bem sabemos. A não ser que exista outra opção afectiva, por um parceiro do mesmo sexo.
Os seus amigos até comentam, com alguma admiração:
“Ele até fez um bom casamento!” e...respeitam-no mais por isso. Será que se inverteram as situações?
Estaremos a copiar o matriarcado das sociedades negras?
Aí a mulher trabalha. O homem é considerado pelo número de mulheres a quem dá filhos, pelos quais ela, a mãe, é responsável.
Quando o homem fica só, procura uma mulher para o cuidar. Procura uma empregada , sem ter que lhe pagar…E ainda a pode trair . Maltratar até à morte, como se tem vindo a constatar. A não ser que a mate cruelmente por ciúme, ainda na fase de namoro.
Procurar sexo. Será isso amor?
A mulher, diz-se, que dá sexo, para ter afecto. O homem dá um pingo de afecto, para ter sexo. E do bom! Senão, vai procurar um complemento fora de casa. Os homens Portugueses são muito adúlteros...Não esqueceram a herança cultural árabe.
……………………………………………………………………………………………………………
Também ainda há mulheres muito “bem casadas”, que aceitam todas as infidelidades, em troca de privilégios. De uma liberdade de que também usam e abusam. Vão mantendo as aparências, alimentando tudo, menos um amor conjugal, numa convivência surda lado a lado, por questões várias.
…………………………………………………………………………………………………………
Na realidade, só aprendemos pelo amor e pela dor.
É ele que dá sabor à vida , quando é verdadeiro.
Para isso há segredos que se aprendem. Tudo se aprende, porque não se aprende mais sobre o amor?
Ficamos hoje com algumas reflexões que a idade nos ensina.
A diferença entre julgamento e análise, para chegar ao amor.
Julgar é achar-se mais do que os outros. Achar que outro devia ou tinha de fazer de forma diferente .
De facto, ninguém tem a receita do desenrolar dos acontecimentos.
As tentativas dos outros não são inúteis, nem descabidas.
Julgar é sempre incentivar à separação!
ANALISAR é diferente.
É pensar se uma coisa está correcta ou incorrecta , de acordo com a nossa energia. Isto temos mesmo que fazer, sem medo de estarmos a julgar. Saber se isso é bom ou mau para si próprio.
De qualquer modo, podemos ser solidários no amor, embora não concordando com o que outro faz. Poder estar do lado do outro, enfrentando o mundo, apenas pelo direito que o outro tem de o fazer.
“O amor não é leviano. Tudo perdoa .
O amor é paciente. Não é invejoso. Nao se envaidece, nem é orgulhoso. O amor não tem maus modos, nem é egoísta. Não se irrita, nem pensa mal.
O amor não se alegra com a injustiça causada alguém, mas alegra-se com a verdade.
O amor suporta tudo. Não pensa mal. Acredita sempre. Sofre com paciência.
O amor é eterno”.

linmare@edicomail.net
http://lucinda-umaponteparaoinfinito.blogspot.com

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Saber é poder ...Desmascarar é urgente


CLARA FERREIRA ALVES (artigo demolidor)

Não admira que num país assim emerjam cavalgaduras, que chegam ao topo, dizendo ter formação, que nunca adquiriram, que usem dinheiros públicos (fortunas escandalosas) para se promoverem pessoalmente face a um público acrítico, burro e embrutecido.

Este é um país em que a Câmara Municipal de Lisboa, desde o 25 de Abril distribui casas de RENDA ECONÓMICA - mas não de construção económica - aos seus altos funcionários e jornalistas, em que estes últimos, em atitude de gratidão, passaram a esconder as verdadeiras notícias e passaram a "prostituir-se" na sua dignidade profissional, a troco de participar nos roubos de dinheiros públicos, destinados a gente carenciada, mas mais honesta que estes bandalhos.

Em dado momento a actividade do jornalismo constituiu-se como O VERDADEIRO PODER. Só pela sua acção se sabia a verdade sobre os podres forjados pelos políticos e pelo poder judicial. Agora contínua a ser o VERDADEIRO PODER mas senta-se à mesa dos corruptos e com eles partilha os despojos, rapando os ossos ao esqueleto deste povo burro e embrutecido. Para garantir que vai continuar burro o grande cavallia (que em português significa cavalgadura) desferiu o golpe de morte ao ensino público e coroou a acção com a criação das Novas Oportunidades.

Gente assim mal formada vai aceitar tudo e o país será o pátio de recreio dos mafiosos.

A justiça portuguesa não é apenas cega. É surda, muda, coxa e marreca.

Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se preocupa com isso, apesar de pagar os custos da morosidade, do secretismo, do encobrimento, do compadrio e da corrupção. Os portugueses, na sua infinita e pacata desordem existencial, acham tudo "normal" e encolhem os ombros. Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um fim, ponto final, assunto arrumado. Não se fala mais nisso. Vivemos no país mais inconclusivo do mundo, em permanente agitação sobre tudo e sem concluir nada.

Desde os Templários e as obras de Santa Engrácia, que se sabe que, nada acaba em Portugal, nada é levado às últimas Consequências, nada é definitivo e tudo é improvisado, temporário, desenrascado.

Da morte de Francisco Sá Carneiro e do eterno mistério que a rodeia, foi crime, não foi crime, ao desaparecimento de Madeleine McCann ou ao caso Casa Pia, sabemos de antemão que nunca saberemos o fim destas histórias, nem o que verdadeiramente se passou, nem quem são os criminosos ou quantos crimes houve.

Tudo a que temos direito são informações caídas a conta-gotas, pedaços de enigma, peças do quebra-cabeças. E habituámo-nos a prescindir de apurar a verdade porque intimamente achamos que não saber o final da história é uma coisa normal em Portugal, e que este é um país onde as coisas importantes são "abafadas", como se vivêssemos ainda em ditadura.

E os novos códigos Penal e de Processo Penal em nada vão mudar este estado de coisas. Apesar dos jornais e das televisões, dos blogs, dos computadores e da Internet, apesar de termos acesso em tempo real ao maior número de notícias de sempre, continuamos sem saber nada, e esperando nunca vir a saber com toda a naturalidade.

Do caso Portucale à Operação Furacão, da compra dos submarinos às escutas ao primeiro-ministro, do caso da Universidade Independente ao caso da Universidade Moderna, do Futebol Clube do Porto ao Sport Lisboa Benfica, da corrupção dos árbitros à corrupção dos autarcas, de Fátima Felgueiras a Isaltino Morais, da Braga Parques ao grande empresário Bibi, das queixas tardias de Catalina Pestana às de João Cravinho, há por aí alguém quem acredite que algum destes secretos arquivos e seus possíveis e alegados, muitos alegados crimes, acabem por ser investigados, julgados e devidamente punidos?

Vale e Azevedo pagou por todos?

Quem se lembra dos doentes infectados por acidente e negligência de Leonor Beleza com o vírus da sida?

Quem se lembra do miúdo electrocutado no semáforo e do outro afogado num parque aquático?

Quem se lembra das crianças assassinadas na Madeira e do mistério dos crimes imputados ao padre Frederico?

Quem se lembra que um dos raros condenados em Portugal, o mesmo padre Frederico, acabou a passear no Calçadão de Copacabana?

Quem se lembra do autarca alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça foi roubada do Instituto de Medicina Legal?

Em todos estes casos, e muitos outros, menos falados e tão sombrios e enrodilhados como estes, a verdade a que tivemos direito foi nenhuma.

No caso McCann, cujos desenvolvimentos vão do escabroso ao incrível, alguém acredita que se venha a descobrir o corpo da criança ou a condenar alguém?

As últimas notícias dizem que Gerry McCann não seria pai biológico da criança, contribuindo para a confusão desta investigação em que a Polícia espalha rumores e indícios que não têm substância.

E a miúda desaparecida em Figueira? O que lhe aconteceu? E todas as crianças desaparecida antes delas, quem as procurou?

E o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos, alguns menores, onde tanta gente "importante" estava envolvida, o que aconteceu?

Arranjou-se um bode expiatório, foi o que aconteceu.

E as famosas fotografias de Teresa Costa Macedo? Aquelas em que ela reconheceu imensa gente "importante", jogadores de futebol, milionários, políticos, onde estão? Foram destruídas? Quem as destruiu e porquê?

E os crimes de evasão fiscal de Artur Albarran mais os negócios escuros do grupo Carlyle do senhor Carlucci em Portugal, onde é que isso pára?

O mesmo grupo Carlyle onde labora o ex-ministro Martins da Cruz, apeado por causa de um pequeno crime sem importância, o da cunha para a sua filha.

E aquele médico do Hospital de Santa Maria, suspeito de ter assassinado doentes por negligência? Exerce medicina?

E os que sobram e todos os dias vão praticando os seus crimes de colarinho branco sabendo que a justiça portuguesa não é apenas cega, é surda, muda, coxa e marreca.

Passado o prazo da intriga e do sensacionalismo, todos estes casos são arquivados nas gavetas das nossas consciências e condenados ao esquecimento.

Ninguém quer saber a verdade. Ou, pelo menos, tentar saber a verdade.

Nunca saberemos a verdade sobre o caso Casa Pia, nem saberemos quem eram as redes e os "senhores importantes" que abusaram, abusam e abusarão de crianças em Portugal, sejam rapazes ou raparigas, visto que os abusos sobre meninas ficaram sempre na sombra.

Existe em Portugal uma camada subterrânea de segredos e injustiças, de protecções e lavagens, de corporações e famílias, de eminências e reputações, de dinheiros e negociações que impede a escavação da verdade.


Este é o maior fracasso da democracia portuguesa

Clara Ferreira Alves - "Expresso"
________________________________________
Windows 7: Encontre o PC certo para si. Mais informações.
________________________________________
Windows 7: Encontre o PC certo para si. Mais informações.