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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sementes de violência




Sementes de violência


O campo da não violência é o coração do homem.” Vinoba
“A não violência é a mais firme qualidade da alma que se desenvolve com a prática.” Gandhi
.

Lembro-me de um conto de Gabriel García Marquez que li já há muito tempo, e que considerei de uma violência extrema.
( Se aqui, a violência nasce de um equívoco…isso nem sempre acontece noutros casos de maldade organizada.)
Era o caso de um casal de artistas que participariam num espectáculo, nessa noite. Ela era cantora.
O marido iniciou a viagem mais cedo. A esposa iria juntar-se a ele, indo ela no seu carro próprio.
Era inverno. Na estrada, o seu carro avariou ficando ela só, pedindo ajuda a quem passava.
Entretanto, apenas um pequeno autocarro acabou por parar, para dar a socorrer. A senhora ficou muito contente, porque pensava assim poder aproximar-se mais rapidamente do local onde se iria apresentar naquela noite. Estando mais próxima e com possibilidade para telefonar (ainda não haveria telemóvel…) a seu marido, ele ou alguém, a um táxi talvez, que a pudesse ajudar a cumprir o seu compromisso.
Sentada à frente, junto de uma senhora e o condutor, reparou que as pessoas quase todas dormitavam, na parte de trás.
Entretanto, chegados ao destino, grandes portões se abriram para deixar entrar os passageiros. O condutor e a sua ajudante mal chegaram, terminadas as suas funções, desapareceram na grande cerca que se estendia dentro de altos muros.
À medida que as pessoas saiam do autocarro, eram rotuladas com um número, tal como a cantora a quem deram boleia. Esta apressou-se a explicar a sua presença ali, mas ninguém a escutou. Antes, a calaram sorrindo, porque agora até tinham alguém com a mania que era “cantora”, naquela antiga instituição psiquiátrica.
A noite ia avançando. Coisas terríveis iam acontecendo…
Quanto mais a senhora pedia para telefonar e explicava a situação, mais o seu caso era considerado grave chegando ao ponto, de ser amarrada na cama, pela sua teimosia, compulsão e insistência no assunto.
Entretanto o seu marido maldizia a sua sorte:
- Que cabra eu escolhi! A esta hora está com outro e eu aqui segurando a situação sozinho, neste espectáculo…
O tempo foi passando.
Isolada, sujeita a tratamento psiquiátrico violento, imaginamos em que estado terá ficado.
Já não me recordo bem, mas parece que no final, já completamente depauperada, o casal encontra-se (…).
Para além desta história que nunca mais esqueci, lembro-me também, quando entrei na Faculdade, que se contava a situação de um professor que se encantara com uma aluna.
Para se livrar da sua esposa da qual não tinha qualquer razão para a repudiar, além do divórcio ser coisa rara entre nós, naquele altura, e portanto não ter maneira de se livrar da sua mulher, o professor descartou-se da senhora, internando-a num hospital psiquiátrico, dando-a como louca. E a pobre senhora lá se finou sozinha e talvez louca… lá morreu.
Também conheci muito de perto, um casal em que o marido queria condenar e destruir a esposa, que ele nunca amara.
Traçou um plano de guerra fria.
Queria desesperá-la tanto, que ela, desgastada, acabasse por abandonar a casa, para a culpar por abandono do lar.
Violentava-a até ao desespero, na esperança mafiosa de ela poder cometer alguma auto-agressão, que o promovesse a bondoso salvador da vítima que um dia tanto se sacrificara para fazer dele um homem!
Para isso, repetia-lhe, na cama, quando ela tentava dormir, até à loucura do mais são…:
-Tu és louca. Nenhum psiquiatra te cura e vais perder os filhos.
( Na realidade , os filhos era tudo de mais precioso que ele muito bem sabia e que até tinha sugerido que ela abortasse…)
Portanto a violência da agressão era extrema.
Quando ela sofrida pela situação de grande desgaste, o querido marido tinha o cuidado de colocar venenos vários, na casa de banho. Junto, colocava também uma lista com indicações de anti-venenos…e números de telefones …
Que bonzinho que este marido era, não é mesmo?
Mas meus amigos, as sementes de violência ainda estão aí , cada vez mais vivas.
Hoje, há maridos, famílias, que na “sua extrema bondade” e também com medo de perder os bens materiais, quando vêem que as “Marias” estão cansadas de serem criadas, de serem ignoradas, quando se apercebem que o seu tempo de hipocrisia chegou ao fim e que não há volta a dar, estudam as tais estratégias e pensam, como bloquear a liberdade de alguém se poder tornar responsável. Pessoa.
Afecto e alimento são necessidades fundamentais para se viver. Quando alguém evolui e tem consciência desta realidade, como podemos negar-lhe isso?
- Se ela for dada como desequilibrada. Incapaz de se defender de novos amigos e formas de pensar com as quais não concordam, têm que a “proteger “.
Não foi na saúde e na doença que se comprometeram a estarem juntos?
Então por que é que ela não há-de morrer podre nessa casa tão linda, embora ela morra de solidão sem ninguém lhe dar atenção, nem diálogo, nem carinho, nem companhia, sem respeito por aquilo que o outro pensa, sofre, ama?
Vamos chamar-lhe doida. È mais fácil do que perceber com atenção e coerência, a razão da necessidade de evasão, de novas escolhas. Provar que não está bem, é mais fácil. Negar tudo o que não igual ao pensamos.
Ela até está a adaptar modelos de pensamento diferentes dos nossos, que nos recusamos a analisar…Então classificá-la de doida é mais fácil.
E assim, incapaz de se defender sozinha, nós, os bonzinhos, os equilibrados preservamos os bens, dominamos o outro numa violência extrema e ainda passamos por protectores e salvadores de primeiras águas.
Que tal estas violências ao nosso lado, sem que disso nos apercebamos?
Ou ela só dói quando a sentimos na pele?
Não podemos ignorar que haja quem pense e sinta que o casamento é muito mais do que um contracto social, material e aparente.
Há pessoas “antiquadas”ou modernas (!!!), coerentes, que têm necessidade de amor e diálogo carinhoso no casamento e não se contentam com as palavras vazias, mentirosas, apenas escritas num papel:
apoio na saúde e na doença, numa gaiola de ouro solitária. Agressiva. Violenta…
O contrário da violência é a paz . A paz tem a sua raiz no amor e na verdade!
A sua construção é a responsabilidade de todos e cada um de nós.

Nota: Esta é apenas a 1.ª parte de uma reflexão sobre a violência




1 comentário:

  1. A vilolência mais aguda´é aquela que fazemos a nós mesmos , não mudando aquilo que nos consome até ao cerne da alma...
    Quer sejamos nos mesmos a cria-la , quer suportando-a sem ter coragem de a banir das nossas vidas...

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